Distrito Federal

Arte Periférica

Exposição PESO: a história do rap DF contada por quatro gerações

Mostra está aberta para visitação até o dia 9 de fevereiro, todos os dias, de 11h às 18h na Galeria Risofloras

Brasil de Fato | Brasília |
A abertura da exposição PESO - Histórias do Rap do DF aconteceu nesta terça-feira (9) - Jovem de Expressão

Está aberta até o dia 9 de fevereiro, na Galeria Risofloras, em Ceilândia, a Exposição “PESO - Histórias do Rap do DF”, que marca a reabertura de um dos poucos espaços para o trabalho de artistas periféricos.

A abertura da exposição, realizada em 9 de janeiro, reuniu artistas, produtores culturais, fotógrafos, imprensa, comunidade local e a diversidade da juventude que identifica a Praça do Cidadão como um centro de convivência. O evento contou com a discotecagem das Dj’s Janna e Ketlen que tocaram os sucessos do rap do Distrito Federal em um set característico pelo som grave apresentado na produção musical do estilo na cidade.

De acordo com Thiago Flores, cientista social, jornalista e idealizador da pesquisa que deu origem à exposição, as obras apresentadas na mostra são resultado do mapeamento da trajetória de “peso” de quatro gerações de rappers do Distrito Federal.

Segundo ele, a inspiração surgiu da percepção de que Brasília também poderia ter tido o título de “capital do rap”, mas, por falhas do sistema cultural em coletar, preservar e sistematizar informações sobre a cultura, essa história ficou desconhecida. 

“Comecei a notar que havia defeitos de conhecimento e de registros de qualidade que servissem para o mundo conhecer a trajetória do rap. Diferente do rock que tem grande acervo, o rap por ser um som periférico e negro não teve essa boa vontade cultural e midiática para levantar essa narrativa”, conta Flores. 


PESO - Histórias do Rap do DF está exposta, até o dia 9 de fevereiro, na galeria Risofloras / Jovem de Expressão

Vários artistas relatam em seus depoimentos a resistência tanto policial quanto da imprensa de reconhecer o hip-hop como arte. Um dos pioneiros da vertente no DF, X, de pronúncia “équis”, do grupo Câmbio Negro, que estava presente na abertura e tem a história contada nos registros, acredita que a exposição reflete que o hip-hop está começando a ser tratado como arte. 

“A gente apanhava da polícia porque estava dançando breaking, por exemplo, e hoje, está em trilha sonora de filme, novela, nas plataformas digitais, grafites pelo mundo inteiro, djs ganhando campeonatos, o breaking virou um esporte olímpico, homens e mulheres fazendo história que agora estão expostas em galerias de arte”, observa.

Wander Filho, conhecido como Pavão Mc, um dos participantes da vernissage, comenta que a exposição cumpre também uma missão afro-brasileira ao rememorar essas histórias por meio das obras.

Ele reflete que o trabalho identitário realizado pelas primeiras gerações do hip-hop resultou em uma juventude mais consciente e inteligente que está discutindo com propriedade sobre fenótipo e estruturas de decisão. 

“É importante ressaltar que a exposição também tem uma importância racial e de classe. Eu acho que a gente tinha que honrar os primeiros pretos que começaram o hip-hop em Brasília. Cantavam sem instrumento, sem equipamento e levantando a bandeira da negritude e o orgulho de ser afrobrasileiro de periferia”, diz. 

Pavão relembra que fez parte do grupo Aquilombando e que no passado as pessoas perguntavam “Aquilo o que?”, pois falar de negritude ainda era um tabu. Ele narra que foi um processo de letramento racial falar sobre quilombos e a luta negra. “Hoje a gente vê esses meninos e meninas com orgulho de trazer a bandana, bata, adereços e indumentárias pretas. Cantam nossa história com orgulho, apresentam estética e narrativa que refletem que é a África presente junto com a pele”, observa.

A periferia não entrega qualquer coisa

Um dos pontos ressaltados nas obras expostas é o diferencial do rap produzido no DF. O rapper GOG, também um dos pioneiros locais e considerado o “poeta do rap nacional”, conta que o impacto do trabalho desenvolvido por Thiago Flores inicia pelo título da exposição.

Ele diz que os registros históricos contam que o primeiro disco lançado pela gravadora independente de Brasília, a Discovery, tinha o nome de “Peso pesado”. Gog era um dos artistas desse disco que foi gravado em 1992.


GOG, um dos pioneiros do rap DF e nacional / Jovem de Expressão

O rapper X, autor de um dos maiores clássicos do rap no Brasil, a música “Sub-raça”, também evidencia que o rap do DF é original. 

“É caracterizado pela agressividade nas letras, no palco, pelo estilo de produção musical, que era peso, bumbão 808. Sabemos ouvir a opinião dos outros sobre arte, mas a gente não se molda ao que está na moda. O nosso som somos nós que fazemos”, afirma.

A característica de entregas culturais com qualidade das periferias também está impressa na exposição. Gog observa a importância dos atuantes da cultura hip-hop contarem suas histórias. Ele ressalta uma das premissas do hip-hop, o “nós por nós”. 

“Embora tenham sido diversas homenagens durante a minha trajetória, passado por várias pesquisas e Tcc’s, ter sua radiografia feita pelas pessoas da comunidade é algo importante e impactante. Eu fiquei emocionado. As fotos me relembraram vários momentos. Aquelas imagens me levaram novamente àquelas histórias vividas”, diz.

Pavão Mc completa dizendo que a exposição “Pesos” é mais poderosa porque "está numa galeria popular no centro da Ceilândia e a periferia preta está aqui reunida celebrando sua memória".

Brasília Periferia 

Thiago Flores explica que para além de apresentar a comunidade a sistematização de quatro gerações, a pesquisa que agora é uma exposição, tinha como premissa mapear as estruturas socioeconômicas, as influências culturais  e musicais contadas por essas gerações. 

“Eu fiz isso combinando percepções e que muitas foram conflitantes. São quase 50 pessoas falando de quase todos os assuntos. Parti também do pressuposto sofrido de que muita coisa iria ficar de fora dessa história. O que é bastante corajoso, mas também uma cobrança contínua de sempre tentar trazer mais”.


PESO - Histórias do Rap do DF reúne obras que retratam caminhada local do hip-hop / Jovem de Expressão

Japão, rapper do grupo Viela 17, que também estava presente na abertura e teve sua história contada por “Peso - A história do Rap DF, conta que tanto na exposição quanto na pesquisa, pôde falar diretamente de suas reflexões.

“Geralmente quando fazem essas pesquisas conosco a gente fala do hip-hop, mas aqui pude falar sobre o que penso, o que faço e represento. Se não me engano foi a única que pude falar do Japão. Sempre falei de Ceilândia, do hip-hop e aqui pude falar das minhas reflexões sobre diversos assuntos”. 

Japão ressalta que também a partir da exposição o hip-hop, as periferias e favelas podem mirar o futuro, que não é somente algo saudosista, uma vez que as memórias podem servir para avaliação das trajetórias. 

O idealizador da pesquisa, Thiago Flores, relembra que Sabotage fala sobre compromisso. “Criar estratégias, plataformas e métodos de trazer a produção para perto dos produtores para que eles se apropriem do conteúdo que eles produzem é ajudar a reescrever uma nova Brasília Periferia”, se orgulha.

Prova disso, é que a pesquisa também subsidiou  a conquista da Lei que torna o hip-hop Patrimônio Cultural e Imaterial do Distrito Federal proposta pelo deputado distrital Max Maciel (PSOL).


Exposição PESO - Histórias do Rap do DF é resultado de uma pesquisa com o mesmo nome / Jovem de Expressão

O parlamentar e o grupo de trabalho carinhosamente intitulado de “gabinete Aba reta” estavam presentes na abertura. Thayene Rocha, chefe de gabinete, conta emocionada que a exposição é base para o que estão trabalhando na câmara legislativa.

 “A história do Max está entrelaçada com o hip-hop. É preciso ter como meta que a exposição ocupe diversas outras galerias porque a história do rap no DF é muito potente e instiga novas políticas públicas”.

Em clima de nostalgia, o Deputado elogiou o trabalho da curadoria da exposição e disse que acredita que esse trabalho é o prenúncio de um museu para o hip-hop do Distrito Federal.

“O DF e o hip-hop têm peso cultural. Tenho muita honra de fazer a lei que tornou o hip-hop patrimônio cultural e imaterial e vejo que esse momento demonstra a vontade de termos um museu para contarmos a nossa história”, diz Max.

Hip-hop de saia 

A abertura da exposição foi ao som da discotecagem das Dj’s Janna e Ketlen que possuem destaque na cena feminina do DF e entorno. Mulheres pertencentes às batalhas de rima do DF e dos outros elementos do hip-hop também estavam presentes. 

Raquel Vieira, moradora de Ceilândia, produtora cultural e pertencente ao quinto elemento do hip-hop, o conhecimento, celebra que a exposição entrega conhecimento para quem visita. Ela destaca que o rap é um instrumento de educação e também para a luta das mulheres. 

“Fiquei muito feliz de ver a trajetória de algumas das mulheres do rap no DF expostas na galeria, mas senti falta de mais representações femininas na exposição”, diz.


DJs Janna e Ketlen no coquetel de abertura da exposição / Jovem de Expressão

A MC Marciana, educadora popular e uma das idealizadoras da batalha das gurias, que também esteve presente na vernissage, endossa a percepção de Raquel quanto à representação de mais mulheres do rap nas obras, mas reconhece que estar em uma galeria solidifica aquilo que a maioria vê atualmente somente pela internet ou em rodas de conversa.

Para além da representação nas obras, as mulheres foram realizadoras da produção da exposição e curadoras. Também gestoras do Programa Jovem de Expressão, instituição idealizadora da galeria Risofloras, Rayane Soares e Natalia Botelho contam que desde fevereiro de 2023 a exposição está sendo pensada para ocupar o espaço de uma forma marcante. Elas explicam que já estava prevista uma obra para a melhoria e que a reinauguração teria que imprimir “peso”.

“Após toda a movimentação da Construção Nacional do hip-hop no ano de 2023, marcada pelo decreto e as outras várias políticas públicas que estão em andamento, tivemos a certeza que a reinauguração da galeria com uma exposição com esse tema, seria uma volta simbólica para a arte periférica e para os artistas de Ceilândia”, conta a produtora cultural Natália Botelho.

Rayane acrescenta que a agenda da Galeria Risofloras está apertada, mas que foi importante adaptar as datas, porque além de ser um tema importante para a comunidade, também contribui com a luta pela busca do espaço para os museus de hip-hop estaduais e Nacional.

A exposição Peso - Histórias do Rap DF ficará aberta na Galeria Risofloras todos os dias de 11h às 18h, na Praça do Cidadão, EQNM 18/20 - Ceilândia Norte.

Serviço

Exposição Peso - Histórias do Rap DF 

Galeria Risofloras, Praça do Cidadão, Ceilândia

Até o dia 09 de fevereiro

Todos os dias de 11h  às 18h

Evento gratuito

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Edição: Flávia Quirino