O Cine Brasília tem programação agendada somente até 7 de fevereiro. Isso porque a Secretaria de Cultura e Economia Criativa do Governo do Distrito Federal (SECEC/GDF) não divulgou um novo edital para a continuidade do contrato ou seleção de uma nova gestão compartilhada do cinema. Atualmente, o principal espaço cinéfilo da capital é gerido por meio de uma parceria público-privada dirigida pela SECEC-DF e a Organização da Sociedade Civil (OSC) Box Cultural.
O prédio do Cine Brasília, localizado na entrequadra 106/107 da Asa Sul, foi projetado por Oscar Niemeyer, dispõe de capacidade para 607 lugares e foi inaugurado no dia 22 de abril de 1960, um dia após a entrega de Brasília. Trata-se de um dos mais importantes equipamentos de projeção cinematográfica da América Latina e recebeu em 1987 o título de “Patrimônio Mundial da Humanidade”. É também um dos poucos cinemas de rua que restam no país.
Diante da repercussão gerada pela incerteza, a SECEC-DF informou por meio de nota que o edifício de projeção entrará em fase de reformas e, apesar de negarem o encerramento ou interrupção, nada informaram sobre a possibilidade de manter a gestão ou recontratar outra parceria.
Em resposta ao questionamento do Brasil de Fato DF sobre o prazo das obras, a SECEC-DF informou que “a previsão é de que as obras tenham início ainda neste primeiro trimestre e irão acontecer no período de chamamento para gestão do espaço, onde será selecionada a OSC que ficará pelos próximos 36 meses a princípio”.
Atual gestão com a Box Cultural
Desde julho de 2022, quando foi reaberto após a pandemia de COVID-19, a gestão do Cine Brasília é público-privada. Uma direção compartilhada entre a Box Cultural e a SECEC-DF.
A Box Cultural, estabelecida em 1997, é responsável pela apresentação de filmes, peças teatrais, shows musicais, exposições e cursos presentes no local. O contrato vigente com a organização, no valor de R$ 2,5 milhões, permanece em vigor até fevereiro, completando 19 meses de execução e cerca 400 filmes exibidos ao longo de 2023.
A produtora audiovisual Sara Rocha, que compõe a diretoria da Box Cultural, defende o modelo de gestão. Para ela, “existe [no Cine Brasília] uma pertinência muito interessante para esse modelo de gestão compartilhada". "Temos que lidar com um equipamento próprio e que precisa de expertise frequente relacionado às questões de atendimento, de programação, que diretamente pelo poder público acaba sendo mais difícil, mais engessado”, completa
Sobre as dúvidas que cercam o edital de contrato, ela conta que foi ultrapassado o prazo original e sua possibilidade de extensão. “O encerramento inicial foi em 12 de setembro do ano passado. E a gente conseguiu fazer essa prorrogação com a Secretaria de Cultura por mais cinco meses para poder manter as atividades até o dia 7 de fevereiro, quando de fato vai se encerrar. E sobre esse instrumento que é vigente hoje, não cabe mais nenhuma postergação, nenhum aditivo. Só pode ser aditivado uma vez”, explica.
Ela também conta que desde o início da parceria tem sido muitos os desafios de garantia de infraestrutura e acessibilidade do espaço. “As estruturas mais objetivas já estavam bastante defasadas. Desde manutenção de poltrona, de carpete, de cortina, do ar-condicionado que estava inexistente. Hoje temos, por exemplo, mapeamento de poltronas com apoio para tablets, com fone, que a gente hoje fornece para quem precisa assistir os filmes com recurso de acessibilidade". As sessões acessíveis são realizadas uma vez por mês, com recursos abertos para todo mundo e meia-luz, contemplando o público autista.
Sara também ressalta que “toda a mobilização da sociedade civil no engajamento de pautas e serviços públicos é legítima” e, nesse sentido repercutiu nas redes sociais um chamado ao público frequentador do Cine para que façam uma queixa no site da Ouvidoria-Geral do GDF solicitando a consolidação de um novo contrato ou recontratação da atual OSC.
Produtores culturais
Entidades e produtores culturais do DF apontam negligência do GDF nos setores de arte e cultura.
O Sindicato dos Professores do Distrito Federal (Sinpro-DF) publicou um artigo apontando a aplicação política do governo aos espaços públicos: “essa crise do Cine Brasília é mais uma que comprova as insistentes denúncias da entidade de que a privatização dos serviços públicos é mais uma forma de governos neoliberais, como o de Ibaneis, mercantilizarem direitos sociais, como o direito à cultura. Isso se repete em outros setores e, constantemente, ameaça a educação pública”.
Para o cineasta e professor de sociologia Norlan Silva existe uma tendência, nas últimas décadas, de promoção da parcerias público-privadas nos setores culturais que podem apresentar resultados falhos do ponto de vista do interesse social.
“Diante de políticas públicas adotadas desde os anos 90, esse tipo de gestão se tornou um meio de transferência de responsabilidade sobre os equipamentos culturais. De tal forma que muitas vezes, pode se tornar até duvidosa, quando não há a transparência e a fiscalização dos órgãos competentes da própria sociedade civil”, afirmou.
Ele também defende a realização de uma consulta pública para poder atender ao que a sociedade civil tem de interesse para o Cine Brasília”. “Tem que haver uma triangulação entre o Estado, na forma da Secretaria de Estado de Cultura e Economia Criativa, junto com a entidade da sociedade civil que passa a gerenciar o equipamento público”, completou.
Para ele, outro problema é a falta de empenho por parte do governo em estimular maneiras efetivas para vincular o público brasiliense à exibição de cinema local.
“As ações das escolas, por exemplo, muitas vezes, não são atendidas da maneira correta porque não se tem uma ação propositiva diretamente com as escolas. Não se tem a iniciativa de levar as escolas para o Cine Brasília. Isso acaba perdendo gerações que não têm contato com o cinema, com a exibição, com o filme brasileiro, e isso faz com que os jovens não tenham um sentimento de cidadania cultural capaz de valorizar o cinema brasileiro e o Cine Brasília”, destacou.
O documentarista e assistente social Marcelo Emanuel relata que há uma tendência de elitização do acesso ao cinema no Brasil que envolve também a possível degradação do Cine Brasília. “É um espaço de resistência contra esses processos de transformações culturais e sociais que envolvem Brasília, o Brasil e vários lugares do mundo. Os cinemas foram empurrados para o shopping center. Os outros cinemas que tinham aqui, como o Cine Atlântida, o Cine Carim, que eram lugares fora do ambiente de shopping, não existem mais”, declarou.
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Edição: Flávia Quirino