Distrito Federal

ANTIRRACISMO

"O chicote ressoa toda vez que toco no assunto", diz mãe de vítima de racismo em escola do DF

Tema foi discutido na CLDF nesta quarta (12); nenhum representante da Secretaria de Educação compareceu

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Sabrina Melo, mãe de adolescente de 14 anos que sofreu racismo em escola particular da Asa Sul, afirma que família não foi acolhida pelo colégio: "reação reativa péssima" - Foto: Eurico Eduardo/Agência CLDF

“Macaco, volta pra Senzala, volta pra África, volta pra sua terra”. Estas foram as palavras que um jovem de 14 anos ouviu de um colega em uma escola particular localizada na Asa Sul, em Brasília. O caso, que aconteceu em março deste ano, foi relembrado pela mãe do adolescente, Sabrina Melo, em uma reunião sobre racismo nas escolas na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF), nesta quarta-feira (12).  

O encontro foi promovido pela Comissão de Defesa dos Direitos Humanos, Cidadania e Participação Legislativa (CDDHCLP), que acompanha os desdobramentos do episódio. Nenhum representante da Secretaria de Educação do DF (SEE-DF) participou da reunião. 

“Há 14 anos, quando eu soube que eu ia parir uma criança preta, eu me preparei porque eu sabia que um dia o racismo ia chegar na minha casa. Mas eu não imaginei que isso fosse acontecer no ambiente escolar, no ambiente em que eu coloco meu filho pra aprender, pra estudar, pra se tornar um cidadão, para contribuir na formação intelectual dele”, lamentou a mãe. 

O caso de discriminação racial se soma a outros que aconteceram em escolas públicas e privadas do DF nos últimos meses, como mostrou o Brasil de Fato DF.

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Para o presidente da CDDHCLP, deputado distrital Fábio Felix (PSOL-DF), além das ações educativas de prevenção, é necessário que o poder público estabeleça protocolos de ação, inclusive punitivos, para lidar com o racismo nas escolas. “Nós precisamos de um protocolo objetivo, pragmático em relação a isso, porque ficou muito evidente [nos casos recentes] a incapacidade de algumas escolas lidarem com esse processo”, cobrou. 


Reunião extraordinária da Comissão de Direitos Humanos da CLDF debateu racismo nas escolas nesta quarta (12) / Foto: Eurico Eduardo/Agência CLDF

A família de Sabrina Melo afirma que não recebeu nenhum acolhimento da instituição de ensino. “A escola soltou uma nota dizendo que acolheu a família, mas todos os contatos feitos com a escola, à exceção de quando o caso foi para a mídia, partiram da nossa parte”, disse a mãe. 

O colégio particular informou que o aluno foi orientado a estudar e a fazer redações sobre o tema, além de ter sido suspenso por três dias. A mãe da vítima relatou, durante a reunião, que é frequentemente questionada por que o filho permanece na escola. “Qual é a informação que eu vou passar para o meu filho, tirando ele no meio do ano do ciclo social que ele começou a formar com os amigos, enquanto o agressor permanece na escola?”, retrucou. “Meu filho vai permanecer porque ele tem direito ao estudo, à proteção e à transitar e a estar onde ele quiser”.

“A escola teve uma ação reativa péssima”, avaliou Sabrina Melo. “O chicote ressoa na minha casa todas as vezes que eu tenho que tocar nesse assunto. A dor está em mim, no meu marido, na nossa família. E nós que temos que resolver essa questão, buscar ajuda psicológica, tomar medicação. Nós que temos que fazer tudo, enquanto a escola segue dizendo que está orientando para que isso não aconteça, fazendo o que ela já devia ter feito antes”, desabafou. 

O Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) também tem acompanhado os casos de racismo nas escolas. Segundo a coordenadora do Núcleo de Enfrentamento à Discriminação, Poliana Silveres, o órgão realizará uma audiência pública no dia 28 de junho, na sede do MPDFT, para discutir o tema. A discussão será a base para a construção de um documento com diretrizes básicas que deverão ser adotadas por escolas públicas e privadas no enfrentamento da discriminação racial.

“Precisamos falar sobre racismo” 

Segundo Fábio Felix, a conceituação do bullying foi importante para a compreensão do fenômeno da violência nas escolas e ampliar o debate na sociedade, mas tem limitações. “Por outro lado, ela camufla as reais raízes dessa violência que estruturam a sociedade, como é o caso do racismo, da LGBTfobia, do machismo, do capacitismo, enfim, outros fenômenos estruturais que a gente precisa combater. É importante a gente separar um do outro”, defendeu.

A pró-reitora de extensão e cultura do Instituto Federal de Brasília (IFB), Diene Tavares, também aposta na discussão do tema como mecanismo de enfrentamento. 

“Falar de racismo no ambiente escolar é falar de democracia e de resistência”, afirmou durante a reunião desta quarta (12). “O racismo mata, isola, silencia e afasta da escola muitas crianças jovens e adultos que não são acolhidos nem ouvidos no cotidiano escolar. É preciso romper com esses silêncios institucionais que naturalizam as desigualdades”, concluiu a pró-reitora. 


Pró-reitora do Instituto Federal de Brasília (IFB), Diene Tavares / Foto: Eurico Eduardo/Agência CLDF

Os participantes do encontro também falaram da importância de se ter materiais didáticos e professores que tragam para a sala de aula referências positivas sobre as contribuições do povo negro para a história, conforme preconiza a lei 10.639.

“A gente tem que perguntar: quem são os docentes e os estudantes dessas escolas? Quais são as cores dessas pessoas? Quais são os símbolos, os autores, as referências de ciências, de produção do conhecimento, de produção da cultura, da tecnologia que faz parte do currículo dessas escolas? E por quê?”, destacou a pesquisadora e professora da Faculdade de Educação da UnB, Catarina de Almeida.  

Denúncia 

O DF conta com uma unidade policial especializada para atender aos crimes motivados por intolerância – a Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa ou por Orientação Sexual ou contra a Pessoa Idosa (Decrin), da Polícia Civil do Distrito Federal (PCDF).

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A delegada chefe da unidade, Ângela dos Santos, explicou durante a reunião que a Decrin faz o acolhimento inicial dos casos de racismo em escolas, mas que não tem atribuição legal para continuar a investigação. Quando o agressor é um adolescente infrator, o processo precisa ser concluído pela Delegacia da Criança e do Adolescente, conforme preconiza a legislação.

“Mas nós sugerimos que procurem sim a Decrin, porque dentro da polícia civil ainda é o espaço mais capacitado para lidar com esse primeiro acolhimento”, disse a delegada. 

A denúncia pode ser feita presencialmente em qualquer delegacia, 24 horas por dia, ou na Decrin, que funciona de segunda a sexta-feira, das 12h às 19h, no Departamento de Polícia Especializada (DPE), próximo ao Parque da Cidade. Outros canais disponíveis são o telefone 197 / Opção zero, o e-mail [email protected] e o WhatsApp (61) 98626-1197.

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Edição: Márcia Silva