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'Samud'

"Alguns escolhem a resistência pela militarização, mas muitos escolhem a resistência simplesmente continuando na Palestina", diz a psiquiatra Samah Jabr

Médica de Jerusalém Oriental fala que também há palestinos resistindo pela arte, cultura e preservação

Brasil de Fato | Brasília (DF) | |
Samah esteve presente em uma sessão de cine debate no Instituto de Ciência Política da UnB - Foto: Reprodução/@jabrsamah

A psiquiatra, psicoterapeuta e escritora palestina Samah Jabr esteve em Brasília, nesta terça-feira (25), para falar sobre resistência e resiliência palestina. Também chefe do departamento de Saúde Mental do Ministério da Saúde da Palestina e professora assistente clínica da Universidade George Washington, Samah esteve presente em uma sessão de cine debate no Instituto de Ciência Política da Universidade de Brasília (UnB).

Na ocasião, foi exibido o documentário "Por trás dos frontes - resistência e resiliência na Palestina", que retrata a vida de um palestino nos cárceres de Israel. Durante o debate, Samah falou sobre a ocupação e sobre os múltiplos dramas de resistência palestina.

“Alguns escolhem a resistência pela militarização, mas muitos palestinos escolhem essa resistência simplesmente continuando na Palestina. Resistência não significa apenas Hamas ou outras instituições políticas. Há palestinos resistindo pela arte, cultura e preservação”, explicou a psiquiatra.

Samah Jabr nasceu em Jerusalém Oriental em 1976. Atualmente, a médica atua nos setores públicos e privados no território onde nasceu e na Cisjordânia e escreve sobre consequências da ocupação israelense na saúde mental do povo palestino. Neste mês, a psiquiatra lançou seu primeiro livro em português, intitulado "Samud em tempos de genocídio".

Questionada sobre o contexto geral sobre a saúde mental da população, Samah aponta que o cenário é de trauma, luto devido à violência, um sistema de saúde fraco e enfraquecido pela violência estrutural devido à ocupação. Além disso, a médica também explica que algumas das consequências são as altas taxas de insegurança alimentar, pobreza e desemprego.

Ao Brasil de Fato DF, Samah Jabr também falou sobre a saúde mental das crianças palestinas, o significado da palavra “samud” e a importância do Brasil e do sul global na resistência da Palestina.

Diariamente, é possível acompanhar relatos e denúncias de palestinos sobre a ocupação israelense, e muitos deles vêm de crianças. Desta forma, como esse contexto de guerra e ocupação afeta, principalmente, as crianças?

Com as crianças, o risco é ainda maior porque o trauma delas está em desenvolvimento. Elas estão expostas à privação de comida, insegurança alimentar e violência contínua, e isso tudo afeta as mentes jovens. Uma criança também pode ser afetada pelo mal que está acontecendo com outros ao redor dela no ambiente, além da inabilidade dos pais de atenderem suas necessidades. Então, quando elas veem suas mães e pais traumatizados, elas são afetadas mesmo se não foram traumatizadas de forma individual.

Quando nos referimos às crianças sofrendo, chamamos de "trauma em desenvolvimento" porque isso está afetando a mente jovem delas. Crianças ainda não desenvolveram os mecanismos necessários. Elas não têm linguagem suficiente para expressar suas dores. Então, internalizam todos os sentimentos negativos, o que vai afetar o futuro e a personalidade delas quando crescerem.

Você acaba de lançar, no Brasil, seu primeiro livro em português, intitulado “Samud em tempos de genocídio”. Como está sendo a recepção dos brasileiros em relação ao livro?

Para mim, parece que há bastante interesse no meu livro, especialmente entre profissionais da saúde mental, porque está trazendo uma nova perspectiva que é bem diferente da perspectiva ocidental dominante de se olhar para a saúde mental. O livro está trazendo um novo pensamento que pode ser entendido no sul global de uma maneira melhor do que em outras partes do mundo.


Samah Jabr, médica psiquiatra palestina, durante evento em Brasília nesta quarta-feira (25) / Foto: Rafaela Ferreira

O que é “Samud”?

Samud é uma palavra palestina que significa "resiliência", mas é maior do que a palavra resiliência na saúde mental, porque não é apenas um estado da mente, mas também é orientado por uma ação. Não é apenas uma característica individual, mas uma ação coletiva e posição coletiva em relação à ocupação. Samud inclui o significado de perseverança e defesa.

É possível estabelecer uma relação com o sul global na saúde mental da Palestina? Qual o papel do Brasil nisso?

Eu penso que se tem um país no sul global que pode ser responsável por chamar ajuda para a Palestina deve ser o Brasil, por causa do histórico de opressão no Brasil. Além das conquistas que foram alcançadas pelos brasileiros, aqui é misturada a experiência brasileira da opressão, da ditadura militar, tem muitas etnias e está lutando contra o racismo e a violência.

O Brasil também tem um status importante no sul global e na América Latina. Eu penso que o Brasil pode entender o impacto da hegemonia e da dominação ocidental nas "nações mais fracas", como a Palestina.

O Brasil também tem Paulo Freire com a pedagogia do oprimido. Eu aprendi muito das experiências do teatro do oprimido. Eu ensino sobre a pedagogia do oprimido para colegas palestinos. A gente espera que profissionais da saúde mental possam ser sensíveis sobre a situação difícil da saúde palestina e à crise de saúde mental que é resultado direto da violência, opressão e racismo. Eles contribuirão para a defesa do sistema de saúde palestino e da escrita palestina e contribuirão para um discurso que desafia o hemisfério ocidental no campo da saúde mental.

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Edição: Márcia Silva