Distrito Federal

Racismo no futebol

GDF sanciona Lei "Vinícius Jr.", mas vetos impedem ações de combate ao racismo nos estádios

De acordo o autor da proposta, deputado Max Maciel, a exclusão dos artigos são um retrocesso na luta antirracismo

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Vini Jr., jogador da seleção brasileira e do time de futebol espanhol Real Madrid, se tornou símbolo da luta contra o racismo no esporte. - Foto: Rafael Ribeiro/CBF

O Governo do Distrito Federal (GDF) sancionou, nesta terça-feira (2), a Política Distrital "Vinícius Jr." de combate ao racismo nos estádios e arenas esportivas do DF. Entretanto, a decisão, publicada no dia seguinte no Diário Oficial do DF, foi acompanhada por vetos que excluem alguns artigos essenciais do projeto de lei.

O deputado distrital Max Maciel (PSOL), autor da proposta original, considera que a ação do GDF dificulta a implantação da lei e diminui sua eficácia. “Na manhã de hoje, 3 de julho, data em que se celebra o Dia Nacional de Combate à Discriminação Racial, fomos surpreendidos com um retrocesso preocupante. Vamos lutar para derrubar esses vetos aqui na CLDF e garantir que essa política seja implementada. Não podemos aceitar tamanho retrocesso na capital do país”, afirmou.

A Lei nº 7.517, de 2 de julho de 2024, teve vetados os artigos que previam ações de conscientização durante eventos esportivos e a criação do "Protocolo de Combate ao Racismo". O artigo 3º delineava uma série de ações destinadas a combater o racismo nos eventos esportivos do Distrito Federal. Entre essas ações estavam a capacitação dos funcionários e prestadores de serviços sobre o combate ao racismo, a realização de campanhas educativas durante os eventos, visando sensibilizar o público e promover uma cultura de respeito e igualdade.

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Além disso, a lei previa a divulgação de políticas públicas voltadas para as vítimas de racismo, bem como das ações desenvolvidas pelo Ministério da Igualdade Racial e pela Subsecretaria de Políticas de Direitos Humanos e de Igualdade Racial do DF.

Uma das principais medidas do artigo era a determinação de que as partidas deveriam ser interrompidas em casos de racismo, uma medida vista como crucial para desestimular comportamentos racistas e punir os infratores de maneira imediata. O artigo também incluía a obrigatoriedade de treinamento para funcionários dos eventos sobre racismo, medidas de acolhimento para as vítimas e a possibilidade de encerrar partidas em situações específicas, como racismo praticado por um grupo de pessoas ou reincidência de atos racistas.

Já o artigo 4º estabelecia um protocolo para lidar com casos de racismo em eventos esportivos. Qualquer pessoa presente no evento teria a permissão para denunciar um caso de racismo a uma autoridade, representante da equipe organizacional ou produtor do evento. A autoridade, por sua vez, deveria informar o ocorrido ao juizado do torcedor, ao organizador do evento, ao delegado da partida, ao Ministério Público, à Defensoria Pública, ao Conselho Distrital de Promoção da Igualdade Racial e à Delegacia Especial de Repressão aos Crimes por Discriminação Racial, Religiosa, ou por Orientação Sexual, ou Contra a Pessoa Idosa ou com Deficiência (Decrin).

Esse protocolo também permitia que o organizador do evento ou o delegado da partida solicitassem ao árbitro a interrupção da partida, com a possibilidade de encerramento em casos de racismo praticado por um grupo de pessoas ou reincidência.

As ações previstas para a Política Distrital “Vinícius Jr.”, de conscientização durante eventos esportivos de grande alcance, pretendiam, segundo o deputado, colocar “o tema do racismo em pauta e contribuir efetivamente para a mudança de comportamento do público. Já a previsão de interrupção da partida em caso de racismo é uma medida combativa e necessária, que desincentivaria esse tipo de comportamento e pune os infratores. Além disso, os trechos vetados também traziam orientações para acolhimento e proteção das vítimas, bem como orientavam, por meio do protocolo, um rito claro para medidas ágeis de responsabilização e prevenção”.

A suspensão de jogos seriam aplicadas em casos explícitos de ações racistas coletivizadas pela torcida organizada. Em caso de denúncias isoladas, houve, na elaboração do projeto, a inclusão do informe de que em toda partida haveria um delegado para analisar o contexto e um prazo para julgar se a denúncia procede ou não.

O veto a esses artigos vai na contramão de iniciativas semelhantes já adotadas em outras partes do país. Maciel ressalta que “desde julho de 2023, o estado do Rio de Janeiro conta com a Lei Vini Jr, que prevê integralmente essas ações e estabelece um protocolo de atuação. Essa mesma lei inspirou o nosso projeto e já foi sancionada na Paraíba e em Curitiba, também em 2023, incorporando medidas e o Protocolo de Combate ao Racismo”.

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Nos primeiros meses de 2024, vários casos de racismo entre estudantes de escolas públicas e particulares do Distrito Federal foram denunciados na imprensa. Pelo menos dois deles ocorreram durante partidas esportivas. Em um dos incidentes, uma supervisora de um colégio particular em Taguatinga, que também é mãe de uma aluna, foi acusada de xingar de forma racista uma adolescente de 16 anos. Entre janeiro e abril deste ano, o Distrito Federal registrou 214 casos de injúria racial, uma média de quase dois casos por dia (1,78).

Contexto nacional e internacional

A aprovação da Política Distrital "Vinícius Jr." pela Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) ocorreu poucos dias após a inédita condenação à prisão de três pessoas que cometeram atos racistas contra o jogador carioca Vinícius Jr. na Espanha. Essa decisão histórica no país ibérico destacou a postura do jogador de 23 anos como um exemplo na luta contra o racismo no futebol, especialmente após ser vítima de ataques racistas durante um jogo do campeonato espanhol La Liga.

A discriminação sofrida pelo jogador reverberou nos principais canais midiáticos do mundo, e, devido à sua notoriedade, Vini Jr. tornou-se um símbolo de resistência. Diversos movimentos e figuras públicas reforçaram a necessidade de criação de políticas de incentivo ao respeito e de um protocolo de combate ao racismo em estádios e arenas esportivas. Em resposta à condenação de seus agressores na Espanha, o jogador declarou: "Não sou vítima de racismo, sou algoz de racistas".


Protesto contra o racismo no futebol em jogo entre Atlético e Grêmio / Foto: Joka Madruga

Além da unidade distrital, outros estados da federação aprovaram iniciativas similares. A Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul (ALRS) aprovou, por unanimidade, o projeto de lei "Vini Júnior", de autoria da deputada Luciana Genro (PSOL). O PL 267/2023 determina o “Protocolo de Combate à Discriminação”, a ser aplicado em casos de suspeita de racismo, injúria racial ou homofobia. A proposta segue para a sanção do governador do RS.

De acordo com o projeto de lei, a partida deve ser interrompida até que a conduta suspeita cesse. Caso o episódio se repita, os atletas deverão se retirar da quadra por 10 minutos. Se a situação persistir mesmo após essas duas medidas, a disputa deverá ser encerrada. A proposta também estabelece que, se a ocorrência for registrada antes do início do jogo, o árbitro poderá cancelar a partida dependendo da gravidade do caso. Os organizadores e administradores dos estádios serão responsáveis por divulgar amplamente o protocolo estabelecido pela lei através de recursos visuais de grande alcance.

Em 20 de novembro de 2023, Dia da Consciência Negra, a Câmara Municipal de Curitiba, no Paraná, aprovou a criação da Política Municipal "Vini Jr.", de combate ao racismo, à discriminação racial e outras formas de intolerância étnica nos estádios, ginásios e arenas esportivas da capital paranaense. O projeto de lei é de autoria dos vereadores Giorgia Prates (PT), Herivelto Oliveira (Cidadania) e Professor Euler (MDB). Com 27 votos favoráveis e apenas um contrário, o projeto foi aprovado em primeiro turno e segue para a sanção do prefeito Rafael Greca (PSD).

Na Paraíba, uma proposta da deputada estadual Cida Ramos (PT) foi institucionalizada na Lei 12.957/2023. A política estadual, também batizada como Lei “Vini Jr.”, prevê a paralisação ou encerramento de partidas de futebol caso seja registrado ou denunciado algum ato racista no estádio ou arena. O projeto foi publicado no Diário Oficial do Estado em dezembro do ano passado.

Há dois anos, no Rio de Janeiro, vigora a Lei nº 7.227/2022, que estabelece que todos os eventos esportivos com capacidade superior a 5 mil pessoas divulguem, antes do início da partida, um aviso sobre as penalidades para o crime de injúria racial. Conforme a norma, o alerta deve ser exibido em telões ou anunciado por sistema de alto-falantes, sendo a organização do evento dispensada dessa obrigação se não possuir essas tecnologias.

A lei foi inspirada em casos emblemáticos, como o do ex-goleiro Mario Lucio Costa, conhecido como Aranha, que, em 2014, jogando pelo Santos, foi alvo de ofensas racistas pela torcida do Grêmio durante uma partida em Porto Alegre. Vítima de racismo ao longo de sua carreira, encerrada em 2018, Aranha escreveu o livro "Brasil Tumbeiro", que aborda o problema no país.

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Edição: Márcia Silva