Distrito Federal

Direito ao lazer

Comerciantes e produtores culturais debatem futuro do Eixão do Lazer

Propostas para o Eixão do Lazer incluem liberação de bebidas e plano de uso, destacando vozes da sociedade civil

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Representantes de ambulantes e produtores culturais debatem na Câmara Legislativa do DF sobre o futuro do Eixão do Lazer. - Foto: Júlio Camargo/Brasil de Fato

As discussões sobre o Eixão do Lazer e sua programação dominical foram tema de audiência pública na Câmara Legislativa do Distrito Federal (CLDF) na noite desta quarta-feira (18). A elaboração do Plano de Uso e Ocupação do Eixão esteve em pauta. O documento definirá as atividades culturais e comerciais que poderão ser realizadas no espaço utilizado por moradores do DF e turistas aos domingos e feriados. Entre as sugestões apresentadas, destacou-se o pedido para a liberação de bebidas e alimentos no local, com a definição de algumas regras.

A sessão no Plenário da Casa Legislativa foi convocada pelos deputados distritais Ricardo Vale (PT-DF) e Chico Vigilante (PT-DF) para debater os interesses de pequenos comerciantes, produtores culturais e frequentadores das atividades realizadas no Eixo Rodoviário da Asa Norte, diante da ação de repressão realizada pelo governo de Ibaneis Rocha (MDB-DF) no local.

Estiveram presentes representantes do comércio local e articuladores de atividades culturais, além de oficiais do Departamento de Estradas de Rodagem (DER) e do DF Legal, que executaram a ação considerada truculenta no primeiro domingo do mês de setembro.

De acordo com Gilson Mendes, produtor e organizador do Choro no Eixo, os comerciantes locais colaboram com a organização das atividades culturais no Eixão desde o início. “Nós fazemos uma cotização entre os comerciantes para realizar o que o governo poderia fazer. Nunca tivemos intervenção ou consulta do governo sobre como melhorar as coisas”, relatou.


Foto: Júlio Camargo/Brasil de Fato

Ele acrescentou que, além de estarem presente nas reuniões com o DER sobre o assunto, os produtores culturais e os vendedores locais estão empenhados em fazer a manutenção do espaço para que as atividades sejam realizadas com segurança, dentro dos parâmetros regulares. “Temos uma quantidade adequada de banheiros químicos e uma equipe de limpeza que trabalha conosco. Retiramos o lixo do Eixão, e todos os produtores se uniram para garantir a limpeza, desde o jazz até o samba. Não deixamos lixo, e os banheiros são retirados logo após os eventos”, detalhou.

O cientista político Pedro Burity Borges, representante do Movimento Passe Livre do Distrito Federal e Entorno, destacou que as medidas fiscalizadoras do GDF fazem parte de uma lógica para dificultar ainda mais o acesso de pessoas de fora do Plano Piloto à área nobre da capital. “O Eixão do Lazer é uma zona central, mas fica distante da maioria das Regiões Administrativas (RAs) que temos. Isso dificulta tanto para as pessoas que querem frequentar o espaço, quanto para os comerciantes que vêm de Sobradinho, Planaltina e especialmente do outro lado, como Taguatinga e Ceilândia”, afirmou.

Ele ressaltou também a importância de valorizar espaços de lazer e abertos ao público em outras RAs por meio, por exemplo, da disponibilização de ônibus gratuito para circulação de pessoas e atividades culturais. “Assim, o transporte pode ser uma forma de democratizar ainda mais o espaço. Se não construirmos outros espaços de lazer em outras cidades, como a Avenida Central do Lazer em Taguatinga ou a Avenida Paranoá do Lazer, não conseguiremos levar a cultura para todos. Precisamos expandir isso para todo o Distrito Federal”, defendeu.

A advogada Romilda Conrado, da Associação Solidária de Defesa dos Vendedores Ambulantes de Brasília, criticou uma da justificativas do GDF, baseada na Lei nº 2.098/98, que proíbe “a distribuição, a comercialização e o consumo de bebidas, com qualquer teor alcoólico, em estabelecimentos comerciais localizados em terminais rodoviários ou rodoferroviários e às margens das rodovias sob jurisdição do Distrito Federal”.


Foto: Júlio Camargo/Brasil de Fato

Ela destaca que, embora reconheça a importância da lei para a segurança nas rodovias, a venda de bebidas já ocorre em postos de gasolina e lojas de conveniência, inclusive nos horários em que o Eixo Rodoviário não está fechado. “É importante lembrar que não estamos apenas competindo no Eixão. Há bebidas sendo vendidas em postos de gasolina e nas entrequadras, com muito mais facilidade do que no próprio Eixão, onde muitas vezes só aceitam pagamento em dinheiro”, ponderou.

"Há males que vêm para o bem"

A mesa da sessão foi composta também por representantes do Governo do Distrito Federal. Os gestores ouviram as demandas dos participantes da audiência e se comprometeram a levar as sugestões à Casa Civil e ao DER para auxiliar na elaboração do plano.

O diretor de Faixas de Domínio da Superintendência de Operações do DER, Lucas Santos de Faria, ressaltou que o departamento abriu uma consulta pública em seu site, permitindo que os interessados deixem suas sugestões sobre o plano que será desenvolvido.

"Há males que vêm para o bem", avaliou o diretor a respeito das considerações de que ação do GDF foi truculenta. "Esse movimento fez com que, dois dias depois, esse decreto fosse revogado. Um novo decreto foi aprovado, transferindo ao DER a incumbência de criar esse plano de uso. Portanto, hoje não está mais proibida a venda de produtos por ambulantes no Eixão”, afirmou.

Já o secretário executivo de Estado de Proteção da Ordem Urbanística do Distrito Federal, DF Legal, Francinaldo Oliveira comentou a ação realizada no dia 1º de setembro. "Quero deixar claro que, se algum auditor ou servidor nosso agiu de forma truculenta e desrespeitosa, quero pedir perdão em nome da secretaria que represento. O importante desta audiência é que, como está previsto no decreto editado pelo governador, a responsabilidade pela elaboração do plano de ocupação é nossa”.

Ele acrescenta que “a DF Legal é um órgão de fiscalização, e não tem a intenção de trazer prejuízos ou fazer qualquer tipo de ação humilhante. Nós somos um órgão de fiscalização e essa é a razão de nossa existência. O governo do Distrito Federal confere essa responsabilidade à nossa secretaria. Temos também esse outro lado, e como já disse, atuamos mediante provocação”.

“O plano de uso é necessário para disciplinar o uso da área pública. Isso é importante para que os produtores culturais, os eventos que acontecem lá, os ambulantes e a sociedade que participa e usufrui do espaço público façam uso consciente desse espaço”, conclui.

Governo atuou com "mão de ferro"

A produtora cultural Natália Stanzioni criticou a resposta dada pelo GDF. "É muito ruim quando vemos que a primeira ação do governo foi de proibição, em vez de um diálogo pedagógico com os ambulantes para resolver problemas”.

Ela também questionou a responsabilidade e os reais motivos da ação do governo. “Acredito que o DER não foi o responsável por essa ação, quem atuou ali com mão de ferro foi o DF Legal, como tem feito os ambulantes em todos os lugares, no estádio e na rodoviária, por exemplo. Não se trata de uma perseguição ao chorinho, que é patrimônio tombado, mas sim uma perseguição ao pobre e ao trabalhador ambulante que precisa levar dinheiro para casa”, salientou.


Produtora cultural Natália Stanzioni. / Foto: Júlio Camargo/Brasil de Fato

Stanzioni defende o projeto de lei apresentado pelo deputado distrital Fábio Félix (Psol-DF) como possível solução para a questão. "O projeto contempla a promoção do fechamento de vias para atividades de lazer e cultura em cada região administrativa do DF, tal como foi levantado pelo MPL”, explicou. A produtora cultural também argumenta que o governo deve ser obrigado adotar medidas de acessibilidade, como banheiros públicos, pontos de distribuição de água e lixeiras. "O governo deve oferecer condições mínimas para os trabalhadores e para a sociedade que desfruta do Eixão do Lazer”, sustentou.

O artista, professor de teatro e bonequeiro Ricardo Moreira considera que a ação truculenta do GDF no Eixão foi "um tiro no pé". "As ruas do nosso país e da nossa cidade são do povo; todos os espaços públicos são de todos nós”, defendeu.

Ele considera que a gestão estatal não possui qualificação para avaliar a diversidade cultural presente no Eixão do Lazer e definir quais atividades serão permitidas no local. “É um espaço público que deve estar aberto para as linguagens artísticas. Se definirem que só certas linguagens serão aceitas, teremos um problema. Portanto, que possamos ter esse espaço de diálogo conduzido por quem realmente defendeu essa causa de forma correta. A sugestão que faço é que a cultura seja discutida, e que não se tornem as convocações do setor privado como está acontecendo em Brasília”, argumentou.

:: Clique aqui para receber notícias do Brasil de Fato DF no seu Whatsapp ::

Edição: Flávia Quirino