No DF, podemos sentir fortemente as consequências da relação distorcida entre religião e poder
Com alegria e responsabilidade, o Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil – CONIC inaugura sua coluna mensal no Brasil de Fato DF. O objetivo de nossa coluna será o de contribuir com reflexões para a superação da violência e discriminações fundamentadas com argumentos religiosos, valorizando e promovendo a diversidade religiosa e as diferentes cosmovisões que fazem do Distrito Federal um território de diversidades e múltiplas espiritualidades.
Nesta coluna, pretendemos garantir a pluralidade de pensamentos. Para isso, convidaremos pessoas de diferentes tradições de fé para escrever sobre assuntos relacionados à religião e sua relação com a promoção de paz justa, com equidade.
O contexto religioso, político, econômico e social no qual esta coluna inicia é marcado pela instrumentalização e manipulação do conteúdo religioso para impulsionar conflitos territoriais, fundamentar o racismo e a desigualdade de gênero.
A religião tem sido manipulada para a fundamentação de uma ideologia radicalmente liberal na economia e conservadora nas agendas morais. No entanto, se desejarmos ser coerentes com as tradições de fé e seus conteúdos mais originários, perceberemos que em sua maioria, elas associam a justiça com a superação das desigualdades sociais e econômicas.
Para as tradições de fé não há fundamentação para a violência e as injustiças. Sempre que as tradições de fé foram mobilizadas para práticas violentas, elas estavam aliadas a projetos colonialistas e de poder.
A aliança entre religião e poder impactou negativamente na vida de inúmeros povos. No caso brasileiro, ajudou a justificar a escravização de povos e a exploração desenfreada das riquezas naturais, cuja consequência é a destruição socioambiental.
No Distrito Federal, podemos sentir fortemente as consequências da relação distorcida entre religião e poder. No Centro-Oeste, podemos perceber as consequências do fundamentalismo religioso alinhado ao fundamentalismo econômico. Exemplo recente foram as invasões aos terreiros de religiões de matrizes africanas pela polícia durante a perseguição a Lázaro Barbosa.
A associação entre criminalidade e fé de matriz africana têm contribuído, ao longo de séculos, para a criminalização destas tradições de fé. Esta associação continua atual, apesar de toda a mobilização, das denúncias e campanhas contra a intolerância religiosa.
Espiritualidades dialógicas precisam, portanto, estar associadas com conhecimento e reconhecimento de todas as tradições de fé presentes em nosso país e em nossa região. Espiritualidade dialógica é ir em direção à outra pessoa e reconhecer que apenas podemos ser se a outra pessoa também puder ser.
Na tradição cristã, exemplo de espiritualidade dialógica é visto no encontro entre Jesus e a samaritana à beira do poço. Duas culturas religiosas diferentes que se encontraram, dialogaram e conviveram. É possível coexistir, desde que aceitemos refletir com profundidade sobre o que nos divide e porque nos querem divididos.
* Pa. Romi Márcia Bencke – secretária geral do Conselho nacional de Igrejas Cristãs do Brasil, integrante da coordenação do Fórum Ecumênico ACT Brasil e do Grupo de Referência da Plataforma dos Movimentos Sociais pela Reforma do Sistema político e do Conselho da Diversidade Religiosa do DF.
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha do editorial do jornal Brasil de Fato - DF.
Edição: Flávia Quirino