Em menos de um mês o Ministério Público do Distrito Federal e Território (MPDFT) expediu duas recomendações ao Governo do DF (GDF) sobre procedimentos adequados para abordagem e desocupação de áreas públicas ocupadas por pessoas em situação de rua. As duas recomendações aconteceram em razão de desocupações de áreas públicas no Setor Comercial Sul (SCS) promovidas pelo GDF, por meio da Secretaria de Proteção da Ordem Urbanística (DFLegal).
A primeira recomendação do MPDFT foi emitida no dia 6 de julho e teve como objetivo direcionar os agentes de segurança do DF nas abordagens a pessoas em situação de rua.
Já no dia 28 de julho, um forte aparato com agentes do DF Legal e Polícia Militar apreenderam bens pessoais de pessoas em situação de rua que vivem na região do Setor Comercial Sul. Sem aviso prévio ou qualquer outro documento que justificasse a apreensão, os pertences (documentos, cobertores, roupas de frio, panelas, etc) foram levados em um caminhão.
Em meio a pandemia, a ação truculenta do GDF, ocorreu em um dos períodos mais frios na Capital federal naquela madrugada as temperaturas chegaram a 6º graus.
A ação do GDF contrariou as recomendações do MP que já haviam sido direcionadas para os órgãos responsáveis. No documento os promotores de Justiça afirmam que, no momento da abordagem, os agentes “devem portar crachá ou outra forma de identificação funcional, em lugar visível e durante todo o decorrer do trabalho com aquele grupo populacional”.
GDF ignorou recomendações do MP
Em relação à apreensão de documentos pessoais ou bens, “só poderão ocorrer nas estritas hipóteses legais e mediante a lavratura de auto de apreensão”. Além disso, também aponta que as abordagens deverão ser filmadas, e as imagens preservadas por, pelo menos seis meses.
Em outro ponto, o MP determina que as “operações realizadas pelos órgãos de segurança pública e/ou pelo DF Legal devem ser precedidas de comunicação, com antecedência razoável, ao Ministério Público, ao Conselho Tutelar que atua na região e à Secretaria de Desenvolvimento Social do Distrito Federal, para que os serviços especializados sejam colocados à disposição da população em situação de rua”.
Nenhuma dessas medidas foi adotada.
A apreensão de bens pessoais da população em situação de rua no Setor Comercial Sul, aconteceu nos mesmos moldes da realizada no dia 19 de setembro de 2020.
“Há quase um ano da última operação realizada pelo DF Legal e mesmo após a determinação judicial de devolução desses bens, em virtude da ilegalidade desse tipo de operação, tal prática continua sendo mantida. Não havia absolutamente nada disso (recomendações do MP) na apreensão de ontem (28/07) e a ilegalidade persiste, assim como a violência contra a população em situação de rua”, ressaltou o advogado do Instituto No Setor, Alex Zarkadas, em vídeo publicado nas redes sociais do No Setor no dia 29 de julho.
Justiça determina devolução de bens
No dia 3 de agosto, a 8ª Vara do Tribunal de Justiça determinou que o GDF devolvesse os bens apreendidos. Na decisão, a juíza Mara Silda de Almeida apontou que os documentos e vídeos anexados ao processo “demonstram a total falta de observância de requisitos mínimos e respeito aos direitos fundamentais das pessoas em situação de rua e à dignidade da pessoa humana”.
E determinou que toda a ação do Governo às pessoas em situação de rua “deve ser acompanhada de política e ações concretas para minimizar a grave situação dessas pessoas, que certamente não estão na rua por opção, mas optou-se por agir em total desrespeito aos princípios básicos contidos na Constituição Federal”, destaca trecho do despacho judicial.
GDF também descumpriu decisão da justiça
A decisão da Justiça deveria ter sido cumprida pelo GDF até às 18 horas do dia 5 de agosto. No entanto, o DFLegal só retornou ao SCS na tarde do dia 6 de agosto. Ao invés de retornar com o mesmo caminhão que saiu do Setor carregado de bens (conforme mostram imagens em vídeo gravados por populares no dia da apreensão), o DFLegal retornou com um colchão e alguns cobertores.
Nova recomendação
A segunda recomendação do Ministério Público ao GDF sobre a questão da população em situação de rua aconteceu no dia 30 de julho, dois dias depois da desocupação ilegal do SCS. O documento foi encaminhado ao GDF no dia 3 de agosto.
O MP enviou recomendação às Secretarias de Desenvolvimento Social (Sedes) e de Proteção da Ordem Urbanística (DFLegal) para que as ações de desocupação de áreas públicas sejam previamente coordenadas entre os órgãos envolvidos. Deve ser elaborado diagnóstico e planejamento do suporte assistencial às famílias e indivíduos impactados com as operações. Também deverão ser avaliadas as necessidades do grupo atingido e o enquadramento nos critérios para o recebimento de benefícios e ao encaminhamento para serviços, programas e projetos socioassistenciais.
O órgão determina ainda que as secretarias devem identificar políticas públicas para reduzir a pobreza, como políticas de habitação, capacitação e integração ao mercado de trabalho. O GDF tem o prazo de 15 dias úteis para a apresentação das providências que serão tomadas para o cumprimento da recomendação do Ministério Público. (link recomendação)
Problema é social
Para o presidente do Instituto No Setor, Ian Viana, se estabeleceu um padrão de operação do GDF em relação à população que rua, que é responder um problema estrutural e complexo da sociedade através de órgãos de Segurança Pública. “Enquanto resolver esse problema com violência, encontraremos violência como resposta, temos que pensar soluções a curto, médio e longo prazo, que envolvam políticas públicas, com geração de renda, oportunidades, condições mínimas de sobrevivência e atenção básica aos problemas de saúde mental dessa população”, observa.
O Instituto No Setor criou um Sistema de Informação de Moradores que possui o perfil de quem mora ou passa pelo SCS. Atualmente, cerca de 200 pessoas estão em situação de rua na região atendida pela organização. Falta de emprego, problemas familiares e vício em álcool ou drogas estão entre os principais motivos apresentados para as pessoas estarem na rua.
No site da organização existem algumas formas de como ajudar essas pessoas que estão em situação de vulnerabilidade e invisibilidade social.
Edição: Márcia Silva