As queimadas criminosas foram precedidas por diversas falas do presidente Bolsonaro
Há exatos dois anos, no dia 10 de agosto de 2019, grileiros e desmatadores atearam fogo de forma combinada em diversas áreas de mata na Floresta Amazônica. As queimadas criminosas foram precedidas por diversas falas do presidente Bolsonaro contra a agenda ambiental. Tudo ocorreu para tentar dar legitimidade à apropriação irregular de áreas públicas de terra e demonstrar fúria contra a legislação ambiental.
Não bastasse a tragédia local, a fumaça originada pelas queimadas costeou a Cordilheira dos Andes e, potencializada por queimadas na Bolívia, Paraguai e no nosso Pantanal, desembarcou em São Paulo nove dias depois. O céu escureceu transformando a tarde em noite. O ocorrido teve grande cobertura da mídia, mas seu esquecimento foi rápido.
Dois anos depois, não há o que comemorar. Os índices de desmatamento e queimada continuam em valores absurdos. Não só na Amazônia, mas também aqui no Cerrado. O Governo Federal e o Congresso Nacional desmontam diuturnamente as salvaguardas ambientais e agrárias existentes na nossa legislação, alimentando e aplaudindo esse processo devastador.
As consequências têm escalas locais e globais que se inter-relacionam. O recém divulgado relatório do Painel Intergovernamental sobre Mudanças Climáticas da Organização das Nações Unidas (IPCC/ONU) aponta que sofreremos cada vez mais com temperaturas intensas, tempestades frequentes e secas longas. No Distrito Federal, passamos por um longo racionamento de água entre os anos de 2017 e 2018. Apesar do fato chocante, pouco lembramos disso. Todas essas ocorrências estão diretamente relacionadas com os usos da terra.
Décadas de pesquisa mostram que o desmatamento desenfreado para expansão das fronteiras agrícolas não é capaz de alimentar o desenvolvimento socioeconômico. A grilagem e o desmatamento alimentam principalmente o crime e a impunidade. E, cada vez mais, a desigualdade social, que beneficia pouquíssimos enquanto fomenta a expulsão e tragédia de muitos.
A terra é um bem finito e seu uso e ocupação devem estar de acordo com os preceitos da Constituição Brasileira. A Carta Magna estabelece que a terra tem uma função socioambiental a ser cumprida. Isso precisa ser dito e lembrado a todo tempo por todos nós: quando nos chocamos com a perene violência no campo brasileiro; quando formos ao mercado e nos assustarmos com o preço dos alimentos; quando, sentados na frente da televisão de nossas casas, assistirmos a ocorrência de enchentes e outros graves fenômenos ambientais antes escassos.
Que a preocupação vire força para que esse jogo vire.
* Acácio Zuniga Leite é pesquisador das temáticas agrária e ambiental e integrante da Associação Brasileira de Reforma Agrária.
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha do editorial do jornal Brasil de Fato - DF
Edição: Márcia Silva