A disparada no preço dos combustíveis, com a gasolina chegando a mais de R$ 7 em alguns estados, afeta não apenas o bolso, mas o ganha-pão de milhares de brasileiros. No Distrito Federal, onde o preço da gasolina comum nas bombas está sendo vendido R$ 6,69 o litro, o motorista de aplicativo Marcos Loureiro avalia até deixar de rodar pelas ruas de Brasília porque o negócio já não se sustenta.
Ao Brasil de Fato, ele afirma que, assim como ele, os motoristas da capital recusam a maior parte das corridas porque "não valem e pena". Somente as corridas de maior valor, quando o preço está dinâmico, compensam o deslocamento.
"Hoje [24] pela manhã, por exemplo, de 10 corridas que chegaram, eu aceitei apenas uma. Só quando o preço está dinâmico você tem a chance de ganhar alguma coisa", lamenta. Estudante de Direito, Loureiro trabalha como motorista de aplicativos de transporte é que possa dar sequência nos estudos e encontrar um bom emprego no futuro.
"Já pensei em parar de rodar como motorista de aplicativo, mas eu dependo do trabalho. Se eu não parar, vou ter que mudar os meus horários. Rodar durante o dia não compensa mais, é melhor a noite. Pagar a gasolina a quase R$ 7 está muito difícil".
Nos últimos meses, a gasolina acumula alta de 37%, de acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Na internet, o tema é um dos assuntos que mais despertam o interesse das pessoas. De acordo com o Google, o termo preço associado à palavra gasolina são os mais buscados no buscador pelo menos desde o início deste ano.
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Além do interesse, virou fato de discussão política. Apoiadores do presidente Jair Bolsonaro nas redes, evocando o próprio ídolo, atribuem aos governadores a culpa pelo preço, por causa da incidência de um imposto estadual, o ICMS, sobre os combustíveis. Ocorre que, além de não propriamente a causa do aumento, o ICMS sobre combustíveis tem se mantido praticamente nos mesmos patamares ao longo dos últimos anos.
Para o professor Edmar Almeida, pesquisador do Instituo de Energia da PUC-Rio e docente da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), o fator do preço estratosférico dos combustíveis é a cotação alta do dólar.
"O brasileiro está discutindo a febre, mas não quer saber o que está causando a febre da carestia, do preço da gasolina, da carne, e todos os preços que tendem a acompanhar o preço internacional. O grande problema é o dólar, que chegou num patamar alto, em alguns momentos aproximando de R$ 6 reais", afirma.
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A moeda norte-americana atualmente está cotada a R$ 5,25, no caso do dólar comercial, usado em transações de negócios. O dólar turismo, usado em viagens, está facilmente superando a barreira dos R$ 5,50 nas casas de câmbio.
No Brasil, a Petrobras, principal empresa do setor de combustíveis, adota uma política de preços que acompanha a variação internacional do dólar e do barril de petróleo. Antes da pandemia, o preço do barril de petróleo era de 80 dólares, caiu para 20 dólares no auge da crise sanitária, entre abril e maio do ano passado, e veio se recuperando ao longo do último ano, fixado agora na faixa dos 65 dólares. Valor, todavia, inferior ao período antes da pandemia, mesmo com o preço dos combustíveis numa escalada incessante de aumento.
"Entre 2011 e 2014, o preço do barril de petróleo ficou, me média, na faixa de 100 dólares. Quase 10 anos depois, estamos com preço bem abaixo. O problema do preço dos combustíveis é de desorganização da nossa macroeconomia. Quem via mal é a macroeconomia do Brasil", acrescenta Almeida.
O exemplo mais emblemático desse cenário é a super desvalorização acumulada da moeda brasileira no mercado internacional. Em 2020, por exemplo, o real acumulou quase 22,4% de queda frente ao dólar, ficando como a 6ª moeda que mais se desvalorizou no ano passado em relação ao dólar, segundo levantamento da consultoria Austin Rating. A moeda brasileira só ficou atrás das divisas da Venezuela, Seychelles, Zâmbia, Argentina e Angola. No início deste ano, a desvalorização piorou o e o Brasil ocupou a 4ª posição entre as moedas mais desvalorizadas, perdendo para países como Argentina, México e até nações muito pobres como Haiti e Libéria.
ICMS não é vilão
Em Brasília, o Governo do Distrito Federal (GDF) decidiu enviar à Câmara Legislativa um projeto de lei (PL) que prevê a redução da alíquota de ICMS cobrada sobre os combustíveis. A proposta é que os valores caiam três pontos percentuais em três anos, a contar de janeiro de 2022, baixando dos atuais 28% para 25% até 2024, no caso da gasolina. E de 15% para 12%, em relação ao diesel. De acordo com o texto do PL, ao longo dos próximos três ano, o governo distrital abriria mão de uma receita tributária de mais de R$ 345,4 milhões, que seria a menor taxa de ICMS praticada no Brasil, que gira entre 25% e 34% atualmente.
A medida não deixa de ser uma reação do governador Ibaneis Rocha (MDB) à pressão que Bolsonaro tem feito contra gestores estaduais, na tentativa de transferir a responsabilidade pela alta dos preços. Após ser anfitrião de uma reunião do Fórum de Governadores, nesta segunda-feira (23), o chefe do Executivo no DF reagiu ao presidente.
“Houve nove reajustes de combustíveis. Isso é gerado pela instabilidade política pelo que passa o Brasil, que faz com que o dólar chegue a quase R$ 6 e puxe o preço do combustível. Precisamos de um ambiente de harmonia, onde o empresário consiga trabalhar e possamos atrair investimentos internacionais”, afirmou Ibaneis.
De acordo com o professor Edmar Almeida, da UFRJ e PUC-Rio, o presidente Jair Bolsonaro dissemina desinformação para evitar que a causa do problema seja evidenciada. "Isso é cortina de fumaça. Não houve aumento de ICMS durante pandemia, então você não pode atribuir o aumento a isso. A gasolina poderia estar em um preço bem inferior se o dólar estivesse na faixa de R$ 3,50 a R$ 4. O Brasil está perdendo uma energia enorme discussão. Tivemos uma desvalorização média de 30% do real frente ao dólar nos últimos anos. Isso tudo teve a ver com a política econômica adotada".
Edição: Márcia Silva