Em um minuto começará o espetáculo que conta a vida de mais uma heroína desconhecida.
- Pega essa caixa aí. Só faltam mais duas. Eu já coloquei no carro o trombone que eu trouxe.
- Mas você não vai pegar nada?
- O trombone é delicado e eu vou ficar cuidando do carro, vocês podem ir trazendo as coisas.
A companhia de teatro se prepara para mais uma jornada. Em um Golzinho vermelho e um Escort cinza, ambos descascados, as atrizes e os atores colocam seus cenários, figurinos, instrumentos, filhos, câmeras, refletores, fios, namorados, banners, bolsas e a si próprios, e partem em direção a um lugar desconhecido, mas que conhecem muito bem. Fazem teatro. Embora alguns cuidem do carro para não carregar caixas, trata-se de uma equipe colaborativa
- Vocês viram a fala sinistra de um deputado ontem? Acho que poderíamos problematizar ela na segunda cena. Vamos repassar?
- Ok, só espera eu tirar esse tambor da minha perna, está machucando.
Exprimida no carro, uma parte do grupo discute uma alteração na cena algumas horas antes da apresentação. O ator que dirige o carro, tenta lembrar o texto da peça e ainda encontrar uma forma criativa para usar a declaração escandalosa do deputado no dia anterior. A EPIA está parada. Um celular toca.
- Alô! Fala logo! Seu irmão que sabe, eu deixei tudo com ele. Quê? Então pergunta pro seu pai. Desculpa gente, já é minha fala?
É sexta-feira!
Nessa semana já se apresentaram em uma creche, num asilo, em assentamento da reforma agrária, numa escola para ensino de jovens e adultos, numa ocupação de sem-tetos, numa manifestação política e em um sindicato.
- Acho que ficou boa essa mudança, vamos colocar na segunda cena que fica ótimo.
- Não podemos esquecer de avisar ao pessoal do outro carro. Vamos chegar em cima da hora.
Finalmente chegam na feira, escolhem o lugar da apresentação, varrem o chão, montam o cenário, vestem o figurino, passam maquiagem. Conversam sobre as modificações. Discutem sobre a peça nova. Política, luta de classe, racismo, empoderamento feminino, orgulho gay, desmonte do Estado, direitos trabalhistas. O público entra. Estão nervosos.
- Amanhã temos que chegar mais cedo pra montar a luz do teatro.
-É mesmo! Amanhã a apresentação será em um teatro, caixa preta, plateia sentadinha na poltrona, iluminação, camarim.
- É sem dúvida o lugar mais inusitado que já estivemos.
Aquecem a voz, se abraçam concentradamente em círculo. Em um minuto começará o espetáculo que conta a vida de mais uma heroína desconhecida. Um ator vai desligar o celular e percebe que recebeu uma mensagem.
- Gente, chegou a confirmação do Brasil de Fato DF. Nossa coluna será quinzenal, sempre às quartas-feiras. Vai ser muito massa!
-Vamos falar de tudo, até de teatro.
-Vai começar!
Entram em cena.
*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato DF.
Edição: Márcia Silva