Simbolicamente, há cinco anos, condenaram a primeira presidenta mulher do Brasil.
A caça às bruxas no começo da Era Moderna, que foi uma verdadeira guerra contra as mulheres, com a execução de centenas de milhares de “bruxas”, teve raízes nas transformações sociais que acompanharam o surgimento do capitalismo.
Neste período, antes do capitalismo tornar-se a organização social dominante, nas bases para a revolução industrial, econômica e política de uma nova sociedade, ocorreu a chamada acumulação primitiva do capital. A colonização inicia e se mantém de forma violenta. O latifúndio surge assim, da expropriação dos camponeses, do roubo das terras dos povos originários, do cercamento das terras e da titulação de propriedade privada.
A dominação cultural, econômica e política se alimenta de guerras e saques, se nutre da escravização de indígenas e negros, do extrativismo, da monocultura e da retirada de ouro e prata da natureza.
Ciclicamente, cada nova fase da globalização capitalista, incluindo a atual, vem acompanhada de um retorno aos aspectos mais violentos da acumulação primitiva, o que mostra que a contínua expulsão dos indígenas e dos camponeses da terra, a guerra e o saque em escala global.
Ao destruir as culturas organizadas em torno da propriedade comunal, por exemplo, a nova classe social, individualista e gananciosa, acumula a riqueza necessária para a dominação dos povos. A degradação das mulheres em diversas formas e o controle dos seus corpos, como diria Silvia Federici, está na base da destruição das culturas e é condição para a existência do capitalismo.
Essa dialética pode ser vista em toda parte, mas hoje uma lembrança em especial.
Há exatamente 5 anos, em 31 de agosto de 2016, se consolidava o golpe parlamentar, midiático e jurídico contra a presidenta eleita Dilma Rousseff, com o impeachment. Naquele 31 de agosto, muitos políticos reclamaram de mau governo, e falavam em nome da tradição, da religião, da família e de valores morais. Até mesmo torturadores da ditadura militar foram homenageados nos votos pelo impeachment.
O golpe de 2016: a porta para o desastre, por Dilma Rousseff
O discurso de condenação moral associado ao ato de impeachment neste momento, guarda semelhanças aos julgamentos que eram feitos nos séculos XVI e XVII, e que culminavam nos atos de jogar a mulher na fogueira. E diferentemente do que foi prometido pelos “juízes” que conduziram a ação, a economia não melhorou, a população não teve suas necessidades atendidas e nem conheceu nenhum processo de libertação.
Simbolicamente, há cinco anos, condenaram a mulher que ocupava o cargo de maior autoridade na política brasileira: mais uma “bruxa” na fogueira. De fato, se olharmos os índices econômicos, o desemprego, o empobrecimento massivo, o preço da gasolina, da carne, do ovo, do tomate, do arroz, os novos artifícios para o roubo e a privatização de terras, foi sim um marco de retorno às práticas de uma acumulação primitiva do capital.
5 anos do golpe e a política ainda é hostil para todas as mulheres
Atos violentos justificados por julgamentos morais, preconceitos de raça, classe e gênero, retirada de direitos dos trabalhadores, enfraquecimento das instituições e suas leis, domínio das milícias, episódios de destruição da natureza são prenúncios de concentração de riqueza nas mãos de um pequeno grupo dominante.
No capitalismo, a relação com a natureza não é preponderante, o que prevalece é a exploração do trabalho humano e a produção da mercadoria gerando lucro. O ataque contra a “bruxa” ou contra o outro “diabólico” é um método de controle. Paradoxalmente, a violência vem sempre acompanhada de luta, resistência e rebeldia. E as mulheres, que pagam preços altos com seus corpos e seus trabalhos, também carregam sementes de transformação e não se cansam de celebrar a vida.
Há cinco anos atrás, algo mais nos roubaram, além do direito ao voto que elegeu uma mulher. No espetáculo, o extermínio é contra as bruxas; mas na vida real, é a grande massa da população no Brasil que está queimando na fogueira.
* Ju Amoretti é cientista social, psicóloga, pesquisadora de mulheres, direitos humanos e pensamento social latino-americano.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato DF.
Edição: Márcia Silva