Distrito Federal

Crise na Saúde

Manifestantes fazem ato contra caos e corrupção na saúde do DF

Protesto pacífico ocorreu na portaria do Hospital de Base, gerido pelo IGES-DF

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Instituto é alvo de investigação por desvio de recursos e parlamentares de oposição querem CPI - Pedro Rafael Vilela

Um grupo de manifestantes, incluindo profissionais da saúde pública, realizou um ato nesta quinta-feira (2), na portaria principal do Hospital de Base, para cobrar ampla investigação das denúncias de corrupção no Instituto de Gestão Estratégica em Saúde do Distrito Federal (Iges-DF). No mês passado, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT) deflagrou uma operação para apurar irregularidades na contratação de leitos de Unidade de Terapia Intensiva (UTI) pelo Instituto.

Segundo os investigadores do MPDFT, em apenas uma das UTIs geridas pela Domed, empresa contratada pelo Iges-DF, foram registrados três vezes mais óbitos nos meses de junho, julho e agosto de 2020 do que nas UTIs administradas pela rede pública de saúde. A apuração vai confirmar se houve negligência na oferta de medicamentos e outros insumos usados nesse tipo de tratamento, como forma de reduzir custos. Há também suspeita de superfaturamento nessas contratações.

O caso, que aparenta ser um amplo esquema de corrupção, está relacionado com o modelo de gestão da saúde no DF, que aprofundou o processo de terceirização e de menor controle dos recursos. Criado em 2019, já no governo Ibaneis Rocha, o instituto, que antes administrava o Hospital de Base, o principal centro hospitalar da capital, assumiu também a gestão do Hospital Regional de Santa Maria e das Unidades de pronto atendimento (UPAs) de Ceilândia, do Núcleo Bandeirante, do Recanto das Emas, de Samambaia, de São Sebastião e de Sobradinho. A promessa era que, nesse formato, tendo à frente uma entidade sem fins lucrativos de direito privado, as compras de insumos, contratações e reformas seriam céleres. O que se viu, no entanto, foi uma porta aberta para negócios escusos.     

"O que eles colocavam é que tudo ficaria mais fácil, como a compra de material, contratação de pessoas. Porém, ficou muito mais fácil desviar o dinheiro. Essa é a questão. Ser mais fácil comprar material a gente até duvida porque, com muita frequência, faltam insumos para atendimento, seja no Hospital de Base seja no de Santa Maria. Tudo que foi argumentado não está sendo cumprido", aponta Rosalina Sudo, presidente da seção DF da Associação Brasileira de Enfermagem (Aben-DF), e servidora da saúde pública. Ela participou da manifestação pacífica desta quinta. 

Para o enfermeiro Osvaldo Bonetti, que comanda o setorial de saúde do Partido dos Trabalhadores no DF (PT-DF) e também é docente na área, a terceirização de parte significativa da saúde pública deixou os serviços sob um "comando duplo".

"A gente percebe um comando duplo dentro da gestão da saúde, desde o início, muito em razão do Iges, que ocupa 30% do recurso do Fundo de Saúde do Distrito Federal, mas, em contrapartida, não administra nem um terço dos serviços da rede de saúde pública. Há uma concentração orçamentária enorme dentro desse instituto", aponta. Para ele, é preciso garantir um comando único na prestação de serviço público de saúde no DF, por parte do governo diretamente, como preconiza a Constituição Federal em relação ao Sistema Único de Saúde. 

Dívidas e escândalos

Atualmente, o Iges-DF possui uma dívida de cerca de R$ 370 milhões e ainda precisa de mais de R$ 600 milhões dos cofres públicos até o final do ano para garantir sua sustentabilidade. Na semana passada, o Tribunal de Contas do DF (TCDF) suspendeu o pagamento de uma ajuda de custo, de R$ 4 mil a R$ 6 mil, que seria paga aos diretores da entidade. Os valores eram destinados a quitar despesas como plano de previdência privada, seguro de vida, telefonia celular, internet e plano de saúde. Depois dessa decisão, a própria direção do instituto cortou a medida. 

Essa semana, o presidente do instituto, Gilberto Occhi, pediu demissão do cargo. Occhi foi ministro da Saúde durante o governo de Michel Temer. Para o lugar dele, foi indicado o general Gislei Morais, superintendente do Instituto de Cardiologia do DF (ICDF). A troca ocorre dias depois da mudança na própria cadeira de secretário de Saúde, com a demissão de Osnei Okumoto e o início da gestão do general Manoel Pafiadache à frente da pasta.

O sistema de saúde pública do DF tem vivido sucessivas crises e escândalos desde o início da pandemia. Em agosto do ano passado, o ex-secretário de Saúde do DF, Francisco Araújo, ainda no cargo, foi preso durante a Operação Falso Negativo, também deflagrada pelo Ministério Público do DF e Territórios (MPDFT). Ele ficou mais de 20 dias preso. A investigação abarcou ilicitudes na aquisição de testes rápidos para detecção da covid-19 para a rede pública de saúde local, com conexões com a empresa de medicamentos Precisa, que está sendo investigada pela Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Pandemia, no Senado Federal.

Em março deste ano, no auge da segunda onda da pandemia, os hospitais do DF viveram cenas de guerra, com pacientes sendo atendidos na recepção e corpos deixados no chão das unidades até serem removidos. Na época, foi preciso até convocar dentistas da rede pública para prestar assistência.  

Agora, em meio à crise do Iges-DF, deputados de oposição na Câmara Legislativa (CLDF) defendem a instalação de uma CPI para investigar o instituto. O apoio para a instalação da investigação conta nove assinaturas, mais do que o mínimo de oito exigido para a abertura, mas é a décima na lista de CPIs protocoladas desde 2020. Com base nesse argumento, o presidente da Câmara, Rafael Prudente (MDB), aliado do governador Ibaneis Rocha, está barrando a CPI. 

Em defesa da CPI, Rosalina Sudo, presidente Aben-DF, fala em assegurar transparência no uso de recursos públicos. "O dinheiro está indo pelo ralo, e a quantidade de pessoas que estão sendo atendidas pelo Iges é infinitamente menor do que antes de privatizar. O que a gente quer é que seja esclarecido, que seja aberta a caixa pra mostrar à população o que está sendo feito com esse dinheiro, como está sendo utilizado". 

"Não basta só haver a CPI, tem que destituir esse instituto e a Secretaria de Saúde, a gestão pública, recuperar a gestão desse serviço, as sete UPAs e os dois hospitais", afirma Osvaldo Bonetti.

Procurado para comentar sobre as investigações em andamento, o Iges-DF não respondeu até o fechamento da matéria. O espaço segue aberto.

 

Edição: Flávia Quirino