Com divergência de opiniões e apontamento de irregularidades, o governador do Distrito Federal, Ibaneis Rocha (MDB), segue com o concurso arquitetônico para execução do projeto que viabiliza a construção do Museu Nacional da Bíblia em Brasília. Entidades cobram transparência no processo e destacam irrelevância da proposta.
Com a alegação da falta de consultas populares exigidas constitucionalmente, o edital que trata das obras do empreendimento foi suspenso em 22 de agosto pela Vara de Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário. O Governo do Distrito Federal recorreu da decisão, e o Superior Tribunal de Justiça (STJ) liberou a continuidade do concurso público para execução do equipamento.
O coordenador da Comissão de Concursos de Projeto do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB-DF), João Augusto, destaca que o tema é polêmico e na avaliação do Instituto foi “pouco debatido em nível social. Tivemos uma ação popular que pedia a realização de audiências públicas, para um debate mais amplo sobre o tema e sobre os investimentos que estão previstos para o museu”.
Além disso, “pelo que acompanhamos, a população se mostrou contrária a execução, então é complicado o governo continuar insistindo na execução de uma obra em que os cidadãos são desfavoráveis”, disse. Para Augusto, as informações divulgadas pelo governo são dispersas e muitas vezes conflituosas entre si. “Principalmente, nas bases do concurso público que está em andamento para a escolha do projeto do museu”, afirma o arquiteto.
Ele ressalta ainda que, no entendimento do IAB, há um desvirtuamento por parte do GDF no termo “concurso público” usado para fomentar o projeto.
Em carta aos arquitetos e urbanistas brasileiros, a entidade enfatiza que a “organização de concursos públicos de projetos tem sido uma das principais bandeiras do Instituto desde a sua fundação”. Augusto explica que a defesa se trata da execução de “concurso público para edifício público, que é uma modalidade já prevista na legislação brasileira”, na qual define a escolha do escritório para desenvolver o projeto a partir da melhor técnica, que, segundo o arquiteto, tem sido desrespeitado pelo GDF.
A carta do IAB aponta outras divergências, dentre elas, a inconstitucionalidade do tema do museu e a omissão sobre a previsão de custos com a construção.
Não há clareza sobre prazo, custos e responsabilidades. Em um primeiro momento se imaginava que o prédio fosse custar R$ 80 milhões, depois esse valor caiu para a casa dos R$ 20 milhões. O que sabemos é que tem emendas parlamentares da ordem de R$ 14 milhões e não se sabe quanto o governo irá investir, com a falta dessas informações, mesmo havendo consulta pública, fica difícil para cidadania discutir qual a escala do investimento e se ele é prioritário ou não, alerta Augusto.
Em audiência pública da Câmara Legislativa (CLDF) realizada no início do mês passado, o autor do debate, Fábio Félix (Psol), disse que a prioridade do GDF deveria ser a recuperação de museus que estão abandonados ou que precisam de reformas. O parlamentar também se mostrou preocupado com o possível favorecimento de apenas um segmento religioso, já que, de acordo com ele, o terreno para instalação do museu foi doado para uma entidade evangélica privada, o Conselho Nacional de Pastores do Brasil (CNPB).
Diversidade religiosa
A pastora e secretária geral do Conselho Nacional de Igrejas Cristãs do Brasil (Conic), Romi Bencke, destaca que a construção do Museu Nacional da Bíblia é visto pelo Conselho “como algo desnecessário”.
Ela lembra que, em Brasília, a Sociedade Bíblica Brasileira tem um museu da Bíblia bem estruturado e que possibilita, inclusive, acessos virtuais. “A Sociedade Bíblica Brasileira é uma organização consolidada e reconhecida pelas igrejas protestantes. Acreditamos que faria sentido que o investimento para a construção do Museu da Bíblia, que é alto, pudesse ser destinado à construção de um Museu que mostrasse a diversidade religiosa brasileira. Faria muito mais sentido”.
Questionada sobre a possibilidade da instalação do Museu potencializar divisões no âmbito religioso e intensificar a intolerância religiosa na cidade, a secretária diz acreditar que o Museu em si não estimule tais questões. No entanto, ressalta que, caso a “curadoria do Museu seja construída a partir de uma lógica exclusivista, enfatizando a ideia de que há uma religião verdadeira e uma única forma de viver a experiência de Deus, que é a tradição cristão”, a obra pode aguçar o sentimento de superioridade em relação as demais doutrinas.
Para Bencke, o investimento público para a construção de um Museu que privilegia uma única tradição religiosa causa desconforto, “inclusive em nós, pessoas cristãs, por desconsiderar totalmente as outras expressões sagradas”.
O princípio da laicidade diz que o Estado não deve estabelecer relação privilegiada com uma tradição religiosa específica e que todas devem ser tratadas com isonomia. “A construção de um Museu Nacional da Bíblia, a meu ver, fere este princípio” finaliza a pastora.
Edição: Márcia Silva