Classe trabalhadora é uma das principais prejudicadas pela atual estrutura do sistema de comunicação
Com a expectativa das próximas eleições presidenciais, pautas urgentes à sociedade brasileira voltam a ser discutidas. Entre elas, torna ao debate público a regulamentação dos meios de comunicação, dando às organizações sindicais de trabalhadores mais uma oportunidade de, definitivamente, levar o assunto para dentro das fábricas, dos galpões, das escolas, do comércio.
Afinal, é a classe trabalhadora uma das principais prejudicadas pela atual estrutura do sistema de comunicação brasileiro, que legitima a exploração ilimitada da mão de obra e faz coro a projetos que minguam direitos trabalhistas, como a reforma da Previdência e a iminente reforma administrativa.
O tema da regulamentação dos meios de comunicação voltou com força após o ex-presidente Lula, no último mês de agosto, afirmar que, se eleito, vai levar a cabo a proposta, reivindicada há tempos por setores da sociedade civil. “Vai ser muito bom para o País, bom para a economia e muito melhor e mais saudável para a democracia”, disse Lula em discurso público.
Rapidamente, os conglomerados de comunicação reagiram. Editorial da Folha de S.Paulo do dia 30 de agosto, por exemplo, diz que Lula retomou “a cantilena da regulação da mídia”. “Com fala que soa a tentação autoritária, petista insiste na regulação da mídia”, diz trecho do texto.
Já o Estadão, no editorial intitulado “O velho Lula e a ‘regulação da mídia’”, afirmou: “Ao que parece, as purgações políticas e criminais pelas quais Lula passou nos últimos anos não mudaram para melhor a sua essência. Ao contrário, podem ter feito surgir no ex-presidente um desejo inconfessável de vingança contra tudo e contra todos que lhe causaram dissabores. O jornalismo independente é tido por Lula como um destes percalços”.
Desinformação
Para ludibriar a sociedade, os argumentos dos grandes empresários de comunicação são pavimentados em desinformação. Eles afirmam que a regulação da mídia implica na limitação da liberdade de imprensa e da liberdade de expressão, e realizam uma verdadeira interdição do debate do tema. Entretanto, a grande preocupação desses conglomerados está na lucratividade dos seus negócios, já que a regulamentação dos meios de comunicação – de forma democrática – significa pluralidade, diversidade, variedade de pessoas, de assuntos, de opiniões.
Antes de qualquer coisa, é importante lembrar que a regulamentação dos meios de comunicação não é um projeto comunista ousado, como querem pintar os meios de comunicação tradicionais. Países estruturados no capitalismo, como França, Inglaterra e o ultraliberal Estados Unidos, têm legislações severas para coibir o monopólio midiático, a propriedade privada, a concentração de audiência, a captura do debate público por poucos.
Aliás, o próprio Brasil já tem regulação. A organização da utilização do espectro de radiofrequência, por exemplo, depende de regulação. Por isso, a grande pergunta que se deve fazer não é se deve-se ou não regular a mídia, mas que tipo de regulação interessa ao povo brasileiro, já que no país, as leis que organizam o sistema de comunicação beneficiam empresas em detrimento do direito humano à informação e à comunicação.
Artigo | Por que a discussão sobre regulação da mídia sempre volta?
Essas legislações, construídas a partir de acordos esdrúxulos, como o apoio ao regime militar, por exemplo, tratam do tempo de concessão, da blindagem à cassação de outorgas, das renovações de licença que acontecem quase automaticamente, da participação de capital estrangeiro nas empresas do setor de comunicação.
Também há outras regulações no país que extrapolam as questões econômicas dos meios de comunicação e atingem o conteúdo. Como exemplo, temos lei que regulamenta classificação indicativa, lei que proíbe propaganda de cigarro, lei que determina tempo mínimo de programação jornalística na grade dos programas das emissoras. Este é um detalhe importantíssimo, já que, no retorno do debate sobre regulamentação dos meios de comunicação, após o pronunciamento de Lula, em agosto, os principais meios de comunicação vêm levantando a voz para dizer que o PT é autoritário e quer regular conteúdo, impor censura.
Mas se já há regulação, inclusive no que tange ao conteúdo, por que os conglomerados de comunicação esbravejam?
Porque há mais de duas décadas, setores da sociedade civil, como o Fórum Nacional pela Democratização da Comunicação (FNDC), quer avançar nessa regulação para dar caráter democrático à comunicação. E isso ataca gravemente os negócios das empresas de comunicação, que mesmo tendo caráter de serviço público, encontram pilares na produção de conteúdos misóginos, homofóbicos, racistas; na banalização da violência; no proselitismo religioso; na criminalização de movimentos sociais e sindicais.
A Constituição Federal de 1988 chega a estabelecer (parcos) princípios que devem ser seguidos por emissoras de rádio e televisão. Há previsão para impedir monopólio e oligopólio, para valorizar conteúdos educativos, culturais e a produção independente, por exemplo. Acontece que, 33 anos após ser promulgada, nenhum artigo da Constituição que trata da Comunicação Social foi regulamentado, ou seja, especificado. O resultado é a inviabilização da aplicação das normas, além da abertura de brechas para que seja feito exatamente o contrário do que está previsto na Carta Magna.
Em 2013, com a campanha “Para Expressar a Liberdade”, o FNDC lançou o Projeto de Lei de Iniciativa Popular da Comunicação Social Eletrônica (PLIP), que propõe justamente a regulamentação dos artigos 5, 21, 220, 221, 222 e 223 da Constituição Federal, que se referem à Comunicação Social. O PLIP precisava da adesão de 1 milhão e 300 mil pessoas para ser apreciado pelo Congresso Nacional, e o número ficou longe de ser alcançado.
Agora, com o retorno do debate público sobre a regulamentação dos meios de comunicação, tem-se uma nova oportunidade de surfar na onda para desmistificar e esclarecer o que isso significa para a democracia brasileira e para a vida das pessoas. E é essencial que as organizações sindicais de trabalhadores – que dialogam com gente de todo tipo – estejam à frente dessa luta, com a realização de debate sobre o tema nas bases, com a disposição de fortalecer organizações como o FNDC, com a promoção de atividades que tenham como objetivo conscientizar a sociedade sobre o tema.
Após uma sequência de desgraças impostas ao povo brasileiro, iniciadas com o golpe de 2016, tem-se agora a chance ímpar de levar o debate do direito à informação e à comunicação para fora de uma bolha específica e distante da realidade do povo brasileiro. Essa tarefa é urgente por ter a capacidade de mudar os rumos do país.
*Ana Paula Cusinato é servidora pública federal do Judiciário/MPU e secretária de Comunicação da CUT-DF
**Vanessa Galassi é jornalista, integrante do Intervozes - Coletivo Brasil de Comunicação Social e secretária de Formação do FNDC
***Este é um artigo de opinião. A visão das autoras não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
Edição: Flávia Quirino