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Coluna

Uma nação e seus ídolos

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Bolsonaro cumprimenta apoiadores no Palácio do Planalto - Foto: Marcos Corrêa/PR
Os ídolos nos causam a sensação de que também poderemos alcançar a felicidade eterna

Nos últimos anos, vemos no Brasil um fenômeno bastante curioso: a extrema necessidade de encontrarmos ídolos que nos libertem da realidade. Isso é muito compreensível em um país com taxas de desemprego sempre galopantes; insegurança alimentar que ameaça milhares de pessoas; ascensão social quase impossível a quem não nasce numa família de classe média; índices de violência que se assemelham a países em estado de guerra, e poderíamos seguir com a lista.

Essa busca por um ídolo perpassa todas as esferas da nossa sociedade. Do futebol temos a constante eleição de semideuses que, façam o que fizer, acabam justificados de tudo em função da “alegria” que proporcionam ao povo. Um exemplo disso foi o caso do goleiro Bruno. Condenado por um crime bárbaro – de ter sido o mandante do assassinato da mãe de seu filho –, ele ainda encontra apoio em uma legião de fãs. Fosse noutros tempos ou noutras terras, além de ser condenado pela justiça, seria relegado ao mais absoluto ostracismo social.

Precisamos de ídolos que nos obliterem de uma realidade sofrida, dura, cheia de incertezas. Hoje temos um emprego. Amanhã, quem sabe como será? Os ídolos nos causam a sensação de que, quem sabe um dia, também poderemos alcançar a felicidade eterna, fama, dinheiro. Os ídolos representam a projeção perfeita de uma realidade fantasiada, que ajuda a enganar a dureza da vida. A devoção aos ídolos, algo muito atual com a ascensão das redes sociais, onde raramente há tristeza, alivia a dor e provoca a impressão que participamos da vida de quem alcançou o topo. Daí a ideia de que temos nossos “mitos salvadores”. Mesmo que tais mitos tenham pés de barro, são adorados e seguidos.

Martinho Lutero dizia “ali onde colocas o teu coração, ali está o Teu Deus”. Este é o sentido da idolatria. Por isso, talvez, caiba a pergunta: o que temos no Brasil são pessoas devotas ao Deus da misericórdia, da paz com justiça, que exige que tenhamos responsabilidade com o bem comum ou temos uma legião de seguidores de ídolos? Onde está o coração das muitas pessoas devotas? Nem sempre está neste Deus que se faz humano entre nós. Por vezes, o coração está na devoção acrítica de pastores, pastoras, padres pops e afins. Pessoas com muita capacidade de retórica, com carisma e discurso audaz. São ídolos que arrastam multidões para seus abismos de poder. 

Assim como no futebol, não importa o que façam: eles seguem incorruptíveis diante de seus devotos seguidores. Veja o caso da ex-deputada federal e autodenominada pastora, Flordelis. Condenada por ter mandado matar o próprio marido, segue sendo defendida em suas redes sociais por fiéis seguidores.

A pessoa que segue um ídolo não consegue conceber a ideia de que o objeto de sua adoração possa falhar. Isso seria transformar a realidade idealizada em dor e frustração. É necessário defender a pessoa idolatrada de todas as ameaças de um “mundo corrompido”. Mesmo que o ídolo se apresente como ungido por Deus e mande usar armas, a incoerência não está no discurso do ídolo, mas na realidade corrompida. A violência, neste caso, pode ser um mal necessário para se alcançar a redenção. Varrer o mal para que os bons triunfem. 

Ídolos e política

E, claro, os ídolos também estão na política. Eles estão lá, erigidos em seus altares, aguardando os sacrifícios exigidos para atender os seus devotos. Tais sacrifícios estão presentes na perseguição de tudo o que supostamente pode significar a porta de entrada para o mal: na atual realidade política, um dos sacrifícios exigidos é eliminar, a todo o custo, uma tal de ameaça comunista, ou então, acabar com uma “ideologia de gênero”, mesmo que não se tenha a mínima ideia do que ambas significam.

Mas e quando o ídolo quebra, por que seus pés são de barro? Aí a pessoa idólatra pira. Para esta pessoa, é inadmissível que o “eleito” não seja tão perfeito e acima do bem e do mal quanto se acreditava. Há que arrumar culpados ou culpadas para a queda do ídolo. Nada pode derrubar e acabar com o ídolo. O mito permanece. Cria-se, aí, a figura do ídolo incompreendido, injustiçado, perseguido por quem não reconhece o que é o bem. Um ídolo não peca, não erra, não perde.

Superar a idolatria é bastante difícil. Enquanto a realidade for cruel, o ser humano apega-se a tábuas de salvação que criam realidades paralelas. Isso tem sido assim desde a Roma antiga. Por que haveria de ser diferente agora? Fato é que nem ídolos e nem mitos salvam nações. Não salvam, sequer, a eles próprios. E só sobrevivem enquanto as pessoas o reconhecem como tal. 

* Romi Márcia Bencke é pastora luterana e atual secretária-geral do CONIC.

** ** Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa  a linha do editorial  do jornal Brasil de Fato - DF.

 

Edição: Flávia Quirino