Quem desmata e coloca fogo no Cerrado está cometendo um crime. E quem se omite também.
A vida do povo brasiliense não está fácil. Além de enfrentar a fome, uma das maiores taxas de desemprego do país e a inflação galopante, outro inimigo vem ocupando nossa cidade e até o interior das nossas casas – a fumaça.
Nesta época do ano sentimos na pele os malefícios das altas temperaturas, da baixíssima umidade do ar e da fumaça dos incêndios florestais que consomem a vegetação do Cerrado. É difícil dormir e até andar pela rua durante o dia. Tosse, cansaço e ardência nos olhos são bem comuns.
A situação é pior ainda para as crianças e idosos, que são mais vulneráveis à poluição do ar. O resultado é que muita gente fica doente, alguns tendo que ser atendidos nos hospitais que ficam ainda mais lotados.
A região onde vivemos é marcada por dois períodos: época chuvosa e seca. Isso todo mundo sabe e é, de fato, natural. Mas a situação vem piorando com as mudanças climáticas – sim, elas existem, e a previsão para o cerrado é alarmante. A tendência para os próximos anos é que cada vez mais as chuvas sejam menores e mais concentradas em alguns meses, deixando a estação seca mais prolongada.
As mudanças climáticas são causadas pela poluição e a degradação ambiental. No Brasil, a derrubada e queima das florestas para a agropecuária são os principais motivos. Somente no Cerrado, segundo levantamento da MapBiomas, praticamente 100% da perda de vegetação nativa de 2010 a 2020 foi devida à atividade agropecuária. O fogo é um elemento bastante usado após o desmatamento para limpar o terreno antes do plantio.
Mas o Cerrado queima por outros motivos, incluindo brincadeiras de mau gosto e descuido. Não importa a razão, as consequências são ruins para todo mundo.
Devemos fazer nossa parte, evitando colocar fogo na vegetação e denunciando quem coloca. Mas isso não basta. Precisamos cobrar do governo que faça mais campanhas preventivas, ensine aos agricultores que existem alternativas ao uso do fogo para limpar o terreno e fiscalize e puna os principais poluidores.
O Governador Ibaneis e o Presidente Bolsonaro não podem fechar os olhos para a destruição de nossa natureza. Quem desmata e coloca fogo no Cerrado está cometendo um crime. E quem se omite quando deveria educar, orientar, fiscalizar e punir quem infringe a lei, também está cometendo um crime. Para quem se elegeu dizendo que o combate ao crime e a corrupção seriam prioridades, parece que isso não vale para os fazendeiros que destroem o Cerrado.
Muitos desses fazendeiros estavam em nossa cidade no dia 7 de setembro. Eles não vieram com seus caminhões reluzentes para exigir uma solução para a inflação, para o desemprego em massa, para a carestia ou para o fim do desmatamento. Eles vieram para que tudo permaneça como está – uns destruindo a natureza e o país, outros acobertando esses crimes. Enquanto isso acontece toda a população sofre as consequências, sobretudo os mais pobres.
Está em nossa constituição – “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações”.
Junto com tantos outros direitos negados ou negligenciados – trabalho digno, educação, saúde, lazer, cultura, comida boa e barata - o direito ao meio ambiente equilibrado também está em perigo.
As mudanças climáticas têm dimensões tão grandes que parece difícil associar suas consequências ao nosso dia-a-dia. No entanto, quando percebemos que a destruição da vegetação e o agravamento da seca no Cerrado afetam a produção dos alimentos que comemos, a quantidade de água que chega à nossas torneiras, o ar que respiramos e o fornecimento de energia para nossas casas, temos a noção do quanto é urgente enfrentar esse problema.
Em meio ao caos temos uma certeza: cabe ao povo brasileiro defender a natureza e seu país contra a tirania do fogo e do fuzil.
Nossos pulmões e nosso futuro agradecem.
* Fábio Miranda é Engenheiro Florestal, graduando em Ciências Biológicas, Mestre em Ecologia e militante do Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos.
** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato - DF.
Edição: Márcia Silva