Distrito Federal

Coluna

Precisamos falar das Bandeiras Tarifárias!

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Em setembro foi apresentada a nova tarifa, chamada de “Bandeira Tarifária da Escassez”. - Foto: Marcos Santos / USP Imagens
É possível uma transição energética gradual e justa?!

O atual cenário catastrófico de crise no setor energético, provocado e fabricado pela ganância das empresas que gerenciam o setor tem causa certa: o não aproveitamento das cheias dos reservatórios dos últimos anos, que além de acelerar e intensificar a agenda de privatizações, também aumentam o uso da geração térmica (custo mais alto de produção), entre outras ações irresponsáveis, ocasionando a atual crise em que o país se encontra.

Mas o problema não para por aí, pois o que esse grupo empresarial não contava, era que a situação climática estaria em situações complexas (também provocada pelo atual governo Bolsonaro), ampliando assim o combo de crise, beirando a apagões, falta de assistências e inflações. 

No dia 3 de setembro, as organizações que compõem a Plataforma Operária e Camponesa da Água e Energia (POCAE), reunidas para avaliar o aprofundamento desta crise, ouviu, entre outras pessoas, o ex-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA), Vicente Andreu, que afirmou: “Dizer que vivemos o pior momento hídrico dos últimos 91 anos, é uma falsificação estatística, o que quer dizer: essas informações tem uma base real, mas não condiz com a realidade. Sendo esse, um dos maiores escândalos do governo Bolsonaro, pois a crise é da energia e fabricada intencionalmente para tirar dinheiro das pessoas”. 

Com isso, temos o ponto chave desta crise: bandeiras tarifárias. Precisamos debater com urgência e seriedade para que servem essas bandeiras. Elas são o recurso e refúgio das empresas em todos os momentos, quando em tempos de boas chuvas o lucro está garantido e em tempos de baixa nos reservatórios, como o atual, o lucro é inflado e pago pelo povo - aumento na conta - e, atualmente também serve para justificar uma “transição de matriz privatizada”.

Mas essas tarifas foram implementadas mesmo somente a partir de 2015 ou só mudaram as cores e passaram a falsificar sobre os ciclos das chuvas no Sudeste?

Para a ANEEL, a cobrança da tarifa é composta como mostra o esquema abaixo. Mas, além disso, os Governos Federal, Estadual e Municipal também cobram na conta de luz o PIS/COFINS, o ICMS e a contribuição para Iluminação Pública, respectivamente.


Esquema sobre cobrança tarifária / Reprodução Aneel

Antes de 2015, o Sistema Tarifário Elétrico Brasileiro era composto por quatro tipos de tarifas: convencional, branca, horo-sazonal azul e horo-sazonal verde.

Cada uma correspondia a um respectivo patamar de tensão e demanda, porém as cobranças a mais nesse custo da produção eram realizadas sem prévio aviso e muitas vezes em anos posteriores, agora com as cores atuais: Verde, Amarela, Vermelha I, Vermelha II e a mais recente apresentada neste mês de setembro: “Bandeira Tarifária da Escassez”. Eles avisam na hora o aumento na produção. Com isso, o governo já autorizou a cobrança de R$ 142,00/1.000 kWh por meio desta bandeira máxima durante os próximos oito meses (até abril de 2022).

Segundo os operadores dos sistemas de produção e distribuição de energia, as atuais bandeiras servem para que haja mais transparência ao consumidor, pois assim, todos nós estaremos avisados que ocorrerão os reajustes com antecedência para economizar energia, ou seja, está reclamando do que? “Não foi por falta de aviso!! Vocês que não sabem economizar”.

Porém, o que eles não informam é que essa cobrança a mais de R$ 14,20 por 100kwh consumidos na mais nova tarifa, é para pagar os custos dos acionamentos das termelétricas e quem paga somos nós!

Lá atrás, a intenção de falsificar as informações sobre a escassez hídrica foi para ampliar as cobranças por intermédio das tarifas com a falsa sensação de que o consumidor estaria sendo informado, porém as reais causas desses aumentos não são repassadas ao consumidor, que são: falta de planejamento e visão de lucro das empresas. 

Interesses privados

Agora, para além disso, há também a intencionalidade das empresas privadas, que dominam o setor, em aproveitarem as altas os preços nas tarifas para obter mais lucro através da venda, implantação e manutenção de novos produtos chamando de “transição da matriz energética” do país.

Novamente se tem uma falsificação, porque se não há a presença do Estado planejando, debatendo com a população para que essa transição de fato aconteça, essa transição não existe! Quem pode optar pela energia solar, por exemplo? Quando essa nova forma chegar à população já estará privatizada e a exploração de classe continuará.

No Distrito Federal, sabe-se que a maior parte da energia consumida pelos brasilienses, não é produzida na capital, vindo principalmente das hidrelétricas de Furnas e Itaipu. Existe um plano estratégico 2019-2060, para que essa matriz seja “modificada” para energia solar, com o discurso de energia limpa, condições climáticas favoráveis e baixo custo. “Até 2060, a intenção é aumentar em 25% a geração de fontes de energia renovável” no DF. Mas energia limpa pra quem? Como?

Obviamente que somos a favor da energia solar, porém o problema do país não é a matriz em si, mas o modelo. Não é possível falar sobre transição de matriz energética, sem planejamento e sem políticas públicas. Na verdade, estamos tratando mais das transformações do mundo do trabalho, do que de transição energética, ou seja, uma espécie de “uberização” do setor elétrico, talvez. Há de se pensar a forma! A necessidade das transnacionais em destruir o Estado e assim, toda e qualquer garantia à população vai se aprofundando passo a passo. 

Ainda existe um longo caminho a percorrer, muitas tarefas e estudos a cumprir, as bandeiras tarifárias podem render bons debates e atrelar outros, como:

1. Não será modificando a matriz energética que teremos justeza de cobranças e melhora de vida do povo, pois se não existe um novo olhar para quem deve e pode diminuir o uso de energia, por exemplo na produção de plástico/lixo/desperdício. Nada modificará. É a pegada energética que precisa mudar, não a matriz!

2. Reconhecer que os pesos das crises e altas nos preços recaem sobre mulheres, negros e jovens. São as famílias mais pobres que terão que voltar ao lampião, carvão e inflação. 

3. No final, estamos falando de luta por sobrevivência humana, condições de vida das pessoas no planeta. Crise Ambiental!

Podemos pensar em uma luta pelo fim das bandeiras tarifárias para que sejam realizadas transições energéticas graduais e justas? Precisamos desta transição? Governantes estaduais e municipais encabeçariam essa luta? É um ponto.

* Adriana Dantas é educadora popular, militante do MAB - Movimento dos Atingidos por Barragens, atualmente contribui no Distrito Federal.

**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato DF.

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Edição: Flávia Quirino