No dia 13 de setembro, em plena segunda-feira, um vagão do Metrô-DF descarrilou quando se aproximava da Estação Central, na Rodoviária do Plano Piloto, assustando os passageiros. Felizmente, ninguém se feriu.
Embora o transporte seja gerido por uma empresa estatal, a manutenção dos trens e dos trilhos é executada por uma empresa privada terceirizada pela companhia. No dia seguinte ao acidente, no entanto, o governador Ibaneis Rocha voltou a defender a privatização total do serviço, como se fosse a solução mágica para melhorar o transporte sobre trilhos na capital do país.
“Nós só vamos conseguir fazer esses investimentos a partir da concessão. Estamos trabalhando para resolver. Hoje, o processo [de privatização] está no Tribunal de Contas e abriu vista para a Secretaria prestar os últimos esclarecimentos. A gente espera concluir este processo de concessão, ainda neste ano, para trazer melhoria efetiva para a população”, disse em um evento no Palácio do Buriti.
Há ainda um longo caminho pela frente, porém. Deflagrada no ano passado, mesmo depois da promessa de campanha do governador de que não privatizaria as estatais do DF, a concessão do serviço de trens segue em análise no Tribunal de Contas do Distrito Federal (TCDF).
O processo se encontra no primeiro estágio de fiscalização, que abrange a fase de planejamento, anterior à publicação do edital. Nessa etapa, o TCDF analisa a modelagem técnica, operacional, jurídica e econômico-financeira do empreendimento, que tem um valor estimado em R$ 1,4 bilhão no leilão por uma concessão válida durante 30 anos.
Para dar sequência à análise, a Secretaria de Mobilidade Urbana (Semob) precisa ainda responder um questionário de mais de 500 páginas emitido pelo TCDF, até o início de outubro. São informações solicitadas sobre custos, estimativa de preço, comparações e compra de equipamentos. O pedido do Tribunal se apoia em uma análise técnica que apontou dezenas de inconsistências, incluindo possibilidade sobrepreço e de desperdício de dinheiro público com a parceria.
Em meio a esse cenário, os funcionários do Metrô-DF estão em greve há mais de cinco meses, e o transporte opera de forma reduzida, o que afeta o dia a dia da população que depende do serviço. Os trabalhadores do Metrô-DF, que não pedem aumento de salário, cobram a restituição do plano de saúde e do vale-alimentação, benefícios cortados pelo Governo do Distrito Federal (GDF), que se nega a recompô-los.
Interesses privados
Especialistas e entidades ouvidas pelo Brasil de Fato DF apontam que a concessão do serviço à iniciativa privada não é a solução para o Metrô-DF, e pode piorar e encarecer o serviço. Eles questionam, por exemplo, os estudos técnicos que embasam o projeto de concessão, que foram feitos pela Urbi, atualmente uma das concessionárias de transporte coletivo de ônibus na capital, em parceria com a Companhia do Metropolitano de São Paulo.
"São as próprias empresas de ônibus que estão fazendo estudos técnicos pra elas assumirem o Metrô-DF em caso de privatização, e continuarem a receber subsídios com ônibus e metrô. Não se está fazendo concessão pra tirar recurso do Estado. Necessariamente, terá de haver subsídios públicos, inclusive novos subsídios, além de perda de arrecadação com a bilheteria", aponta Carlos Penna Brescianini, ex-coordenador do Metrô-DF, mestre em Políticas Públicas e especialista em Transportes.
Para Gustavo Serafim, estudante de pós-graduação e integrante do Movimento Passe Livre no DF (MPL-DF), o transporte público gerido por empresas privadas já deu errado.
"É o modelo que hoje vigora nos ônibus, que já são privatizados, e tem um monte de problemas que conseguimos ver cotidianamente. É comum que aconteça, por exemplo, de rodar ônibus em que a manutenção não esteja em dia. Não à toa, o estudo de privatização do Metrô-DF foi feito pela Urbi. Como é que uma empresa que já atua num serviço que é horrível está tentando privatizar o metrô sob o argumento de melhorar o serviço?", questiona.
300 milhões por ano
De acordo com a Semob, o GDF gasta atualmente, em dotação orçamentária, um valor de cerca a R$ 300 milhões por ano destinados ao metrô. Com a concessão, a previsão era que esse valor seja reduzido a R$ 170 milhões anuais. No entanto, o que o processo de concessão prevê é que todos os investimentos, inclusive renovação da frota e outros gastos, sejam ressarcidos em separado pelos cofres públicos.
Os acionistas da nova companhia também receberiam dividendos. Trata-se de uma concessão patrocinada, que significa entrega dos serviços para o setor privado, mas com repasse permanente de recursos públicos para a operação do transporte. Além disso, o valor da bilheteria, que ficaria com a empresa concessionária, teria de ser complementado com um tarifa técnica a ser paga pelo GDF, com revisão a cada ano para correção monetária e atualização dos custos de energia.
Como que o governo fala em economizar se a arrecadação da bilheteria não vai ser mais do governo e o governo terá que investir, coisa que não faz nem hoje que recebe esse dinheiro?, afirma Renata Campos, integrante da diretoria do Sindicato dos Metroviários do DF (SindMetrô-DF).
Secretário de Relação Sindical SindMetrô-DF, Hugo Lopes observa que "não existe nenhum metrô no mundo que seja autossuficiente. Todos precisam de recursos do Estado". Para o Sindicalista, tem havido um processo de precarização do Metrô-DF e a greve dos trabalhadores do setor tem sido usada pelo GDF para defender a privatização.
"O governador fala que é uma greve política por causa da concessão. Se a greve é política, por que não resolveu nossa situação há 5 meses e por que o TCDF não deu parecer favorável de cara sobre a privatização?".
Serviço subutilizado
O Metrô-DF, que transporta atualmente cerca de 115 mil passageiros por dia, funciona muito aquém da sua capacidade. O serviço foi criado pra ter até 50 trens circulando ao mesmo tempo, mas tem menos da metade disso. Por falta de manutenção no sistema elétrico dos trilhos, a malha não suporta 25 trens circulando simultaneamente.
"Se isso ocorre, o sistema inteiro cai, paralisando o serviço, como uma casa velha quando você liga todos os equipamentos elétricos e cai a fase", explica Carlos Penna Brescianini.
Para o especialista, a correção desse problema para permitir a ampliação do serviço "sairia mais barata do que a construção do viaduto no Sudoeste e do túnel em Taguatinga", por exemplo. "Se o Metrô-DF funcionasse na sua plena capacidade, ele seria muito mais econômico e a gente reduziria os custos. Não há interesse do GDF em investir no modal metroviário".
Segundo o SindMetrô-DF, entre 2018 e 2020, com base em números oficiais do orçamento, o Metrô-DF deixou de investir R$ 111 milhões do recurso previsto para manutenção. "A maior parte dos problemas que temos são nos trens e vias, que já são responsabilidade dessa manutenção que é privatizada. Não existe compra de peças para os trens há anos. Isso tudo tem sido ainda mais evidente agora por conta da vontade do governador em privatizar", afirma Renata Campos, do SindMetrô-DF.
"Mesmo sendo uma empresa estatal, sabemos que o Metrô-DF não é uma maravilha, mas isso ocorre principalmente porque ele vem sendo precarizado há anos. O ideal é que, além de ser como empresa pública, com recursos do Estado, é preciso uma gestão popular no Metrô-DF, em que os usurários e trabalhadores do transporte possam decidir sobre ele", defende Gustavo Serafim, do MPL-DF.
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Edição: Flávia Quirino