Distrito Federal

Coluna

De Roriz a Ibaneis: o populismo ontem e hoje

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De um lado o Governador se apresenta como defensor do povo, de outro esbanja fortuna ao comprar a casa mais cara já vendida no DF - Renato Alves/Agência Brasília
Ibaneis carrega a herança do populismo de Roriz repaginado pela influência da burguesia urbana

Por que Roriz e Ibaneis são populistas e quais as diferenças entre eles? Antes de nos debruçarmos sobre essas questões vamos fazer uma pequena viagem para entender o conceito, indo da Grécia antiga à Europa do séc. XIX, da Argentina ao Brasil do séc. XX e ao mundo contemporâneo.

Desde o surgimento das primeiras ideias sobre formas de governo apresentadas pelo filósofo grego Platão, países do Ocidente e os colonizados tiveram muitas experiências políticas que se aproximaram ou se distanciaram das ideias defendidas pelo filósofo.

Em “A República”, Platão afirmou que havia três formas de governo: a monarquia, governo de um; a aristocracia, governo de poucos; e a democracia, governo de muitos Contudo, essas formas puras poderiam se degenerar - a monarquia poder-se-ia transformar em tirania, a aristocracia em oligarquia e a democracia em anarquia. 

No Ocidente e no mundo colonizado no último século, a democracia é o sistema de governo mais comum. E ainda que não tenha se degenerado a ponto de se tornar uma anarquia na perspectiva do filósofo, ela experimentou e experimenta muitas variações. Segundo alguns estudiosos, uma bem conhecida variação é o chamado “populismo”.

Mas afinal, o que seria populismo, qual sua origem e por quais mudanças passou? 

Conceituar populismo não é uma tarefa fácil, pois o termo já foi utilizado para caracterizar diferentes processos, ideologias e atores políticos. No entanto, grande parte dos estudiosos do tema concordam que todas as formas de populismo incluem o apelo ao “povo” e a denúncia da “elite”, a criação de um “inimigo comum” ou a redução das demandas populares mais diversas e algumas “bandeiras unificadoras”.

Octavio Ianni em “A formação do estado populista na América Latina” nos apresenta as origem do fenômeno. O populismo surgiu no séc. XIX em contextos parecidos, mas com objetivos políticos distintos: no EUA surgiu em clara oposição entre campo e cidade, entre capital agrário versus capital industrial; e, na Rússia, surge a partir da idealização do povo feita pelos intelectuais na luta contra o domínio czarino, bem como contra o capitalismo. Ambos têm em comum o surgimento no campo e a tentativa de tirar o povo de um lugar abstrato e fazê-lo parte do processo político, sendo que o populismo americano não tinha um caráter de classe - ao contrário do russo.   

Nota-se que quando confrontamos o populismo em suas origens ao que ele veio a se tornar na América Latina, principalmente na Argentina com Perón e no Brasil com Vargas, parece que estamos falando de conceitos distintos. Esses tipos de populismo se tornaram emblemáticos para a história latino-americana.

Uma característica desse populismo é a ação de se aproximar do “povo”, principalmente, das classes mais populares, sem usar os partidos como ponte, criando uma relação direta entre o líder e as massas, com o líder atendendo parte das demandas populares em troca de seu apoio incondicional.

Assim, verificamos que o populismo pode ser enquadrado tanto nos espectros da esquerda quanto de direita, pois o que o caracteriza são as categorias vagas. Inaugurado por Vargas no Brasil, o populismo nunca mais deixou nossa história, embora tenha tido momentos de baixa. No Distrito Federal, capital do País, não seria diferente. Os candangos viveram a experiência marcante dos mandatos populistas de Joaquim Roriz, passando por José Roberto Arruda e, atualmente, o governador Ibaneis Rocha.

Joaquim Roriz foi governador do Distrito Federal por 14 anos, em quatro mandatos diferentes, sendo o primeiro em 1988, indicado por José Sarney, e o último em 2003, depois de ganhar as três eleições livres que disputou.

E foi o último legítimo representante eleito da chamada “burguesia agrária” brasiliense, um grupo que tem na produção agrícola e na posse da terra o seu principal capital. Ele fez acenos ao povo, principalmente por meio de grandes programas de habitação e de distribuição de alimentos, o que forjou um eleitorado fiel, grato pelas benesses “dadas” pelo seu líder.

Por muitos ficou conhecido como o “defensor dos humildes”. No entanto, não foram somente os “humildes” que ele defendeu. Descobriu-se que uma boa parte de seu grupo político estava metido em incontáveis casos de corrupção. Roriz teve que renunciar ao mandato de Senador em 2007 para não ser cassado e nunca mais disputou qualquer eleição. Roriz faleceu em 2018.

Porém, como disse Marx, “a história se repete, a primeira vez como tragédia e a segunda como farsa”.

A primeira farsa foi com José Roberto Arruda, governador do DF entre 2007 a 2010, que antes já havia renunciado ao cargo de senador por fraudar o painel do Senado Federal, e que foi preso ainda durante o mandato, por, entre outros motivos, ter sido flagrado recebendo maços de dinheiro.

Já a segunda farsa ocorreu em 2018, num cenário de crise da democracia liberal, em que foi eleito Ibaneis Rocha, um dito representante da nova política. Aproveitando-se da onda conservadora, Ibaneis faz acenos para políticos oportunistas do “centrão” e da direita, servindo em alguns casos de suporte e força auxiliar do governo neofascista de Jair Bolsonaro.

Embora sempre se coloque como o novo defensor dos humildes, investindo em programas sociais cuja maioria é de cunho assistencialista, Ibaneis não cansa de esbanjar sua fortuna em festas colossais com celebridades ou comprando a casa mais cara já vendida no Distrito Federal – absurdos 23 milhões de reais.

Além disso, seu governo está promovendo um desmonte dos serviços públicos, privatizando ou concedendo empresas estatais e desvalorizando a maioria dos servidores, enquanto a política habitacional para a população de baixa renda, uma marca do governo Roriz e fator crítico para a dignidade de qualquer família, está parada.

Em resumo, o governo Ibaneis carrega a herança do populismo de Joaquim Roriz repaginado pela influência da burguesia urbana, principalmente dos setores imobiliários e comerciais, o que tem favorecido ainda mais a especulação imobiliária em Brasília, ação imensamente prejudicial a classe trabalhadora, sobretudo de quem vive na periferia.

O povo brasiliense está cansado de ver líderes populistas jogando com suas vidas, dando migalhas para a maioria e beneficiando uma minoria rica e cheia de privilégios. Está cansado de discursos vazios e enganadores. Está cansado de ver um governador morando em um castelo, enquanto milhares não têm uma casa para morar.

Precisamos fortalecer cada vez mais a participação da classe trabalhadora na escolha dos rumos de nossa cidade e de nosso país, de forma  que sua vontade seja imperativa nas ruas, instituições e eleições.

* Adilson dos Santos Miranda é Bacharel em Filosofia, Mestre em Planejamento e Gestão Ambiental e militante da Consulta Popular no Distrito Federal.

** Fábio Miranda é Engenheiro Florestal, graduando em Ciências Biológicas, Mestre em Ecologia e militante da Consulta Popular e do Movimento de Trabalhadoras e Trabalhadores por Direitos.

*** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato - DF.

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Edição: Flávia Quirino