Distrito Federal

Violações

Sem ordem de despejo, GDF expulsa famílias de ocupação em Santa Maria

Mega operação do DF Legal deixa dezenas de pessoas desabrigadas

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Agentes da Secretaria DF Legal derrubam casas em ocupação - Foto: Campanha Despezo Zero DF/Divulgação

Uma operação da Secretaria de Proteção da Ordem Urbanística (DF Legal), que já dura uma semana, está derrubando casas e expulsando moradores de uma ocupação em Santa Maria, região administrativa que fica no sul do Distrito Federal.

Moradores tentam resistir à ação, mas cerca de 50 casas já haviam sido demolidas até a atualização mais recente feita pelos ocupantes nesta quarta-feira (6). Estima-se que aproximadamente 400 famílias residam no local.

No início da manhã de terça (5), um grupo de moradores bloqueou a BR-040, no sentido Plano Piloto, próximo à Candangolândia, para protestar contra a operação. A pista foi liberada pouco tempo depois.

Moradora de Santa Maria e militante em defesa do direito à moradia, Mona Nascimento acompanha a operação e diz que nenhuma família foi previamente notificada e não foi apresentada qualquer ordem de despejo pelos agentes do DF Legal.

"Não teve nenhuma notificação prévia para a operação. Inclusive, eles não apresentam documentação nenhuma, como a ordem de derrubada. Nem sequer o nome do líder da operação foi informado. Ontem (5), foi derrubada a casa de uma senhora que vivia aqui há 20 anos", afirma. Essa área fica próxima a Escola de Ensino Médio 404, em frente ao condomínio Porto Rico. A maioria dos moradores é formada por famílias pobres de baixa renda.

Decisões violadas

A Defensoria Pública do Distrito Federal (DPDF), que também acompanha o caso, afirma que as remoções, da forma como têm sido feitas, violam ao menos duas decisões judiciais em vigor. Uma delas tomada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) em junho, no âmbito da Ação por Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) nº 828, que determinou a suspensão por seis meses de ordens ou medidas de desocupação de áreas que já estavam habitadas antes de 20 de março do ano passado, quando foi aprovado o estado de calamidade pública em razão da pandemia de covid-19. Essa decisão está em vigor até dezembro deste ano. 

Outra decisão, esta do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), em uma Ação Civil Pública movida pela Defensoria, também suspende remoções de famílias que vivem em ocupações informais, desde que estivessem na área antes de 20 de março de 2020.

Para desocupações de áreas com pessoas que se instalaram após essa data, a mesma decisão determina que o DF faça notificação administrativa prévia, com amplo direito de defesa, antes de qualquer operação de despejo, demolição de moradias, desocupação e remoções.

Além disso, mesmo após cumprir esses ritos administrativos, o GDF estaria obrigado a encaminhar as famílias desalojadas para abrigos ou para programas de acesso à moradia popular. Essa decisão também foi tomada em junho deste ano.   

"A nossa compreensão é de que não há uma ordem judicial, que a operação é uma uma decisão da administração pública e, da forma como está ocorrendo, contraria a ADPF nº 828. O DF Legal não separa ocupantes antigos dos recentes. E, mesmo no caso dos recentes, em que o STF até admite a possibilidade de remoção, o DF não cumpre a obrigação de remanejá-los para abrigos ou outras formas de moradia digna, conforme uma decisão do TJDFT em ação civil pública, com procedimento administrativo prévio", afirma Ronan Figueiredo, do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública do DF.

Segundo o defensor, novas medidas judiciais estão sendo estudadas para proteger o direito das famílias que estão sendo desalojadas.  

Interesses imobiliários


Em protesto contra a ação, na terça (5), um grupo de manifestantes bloqueou a BR 040 / Divulgação/Campanha Despejo Zero DF

Procurada, a Secretaria DF Legal informou que a área que está em processo de desocupação em Santa Maria é destinada a equipamentos públicos da Secretaria de Educação do Distrito Federal, como escolas e creches, e foi cedida pela Companhia de Desenvolvimento Habitacional do Distrito Federal (Codhab).

"A região tem sido objeto de reiteradas tentativas de ocupação irregular, por moradores locais, sem autorização do poder público ou alvará de construção. Por meio de liminar o Governo do Distrito Federal (GDF) solicita a remoção dos ocupantes para que a área seja destinada a sua função definida, sem óbice judicial", diz a pasta.

A Secretaria DF Legal não informou se cumpriu os procedimentos administrativos exigidos em decisão judicial. Quanto à realocação de famílias, a pasta se limitou a dizer que "o procedimento segue as regras do Governo do Distrito Federal para a distribuição de lotes, de acordo com a legislação específica e a lista da Codhab".

Com os abrigos do GDF lotados e sem perspectiva de moradia, as famílias desocupadas seguem desabrigadas. 

"Essa história que o GDF alega que é para a Secretaria de Educação e construção de creches é mentira. Essa é uma área de herdeiros quilombolas e quatro construtoras compraram a maior parte do terreno para fazer empreendimentos imobiliários. Uma fração menor foi vendida pelas famílias remanescentes quilombolas à parte dos atuais moradores. O real motivo das remoções é liberar a área para construtoras", aponta Mona Nascimento.

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Edição: Flávia Quirino