Se seu discurso não condiz com sua prática uma hora cê não sustenta a farsa e é descoberto
Eu sei de TU DO. Escrito assim em caixa alta e com tudo separado.
Imagino que presenciar uma revolução seja parecido com o que senti quando li a frase acima. É uma hipérbole, sei, mas acredito nas pequenas revoluções do cotidiano. É bom alertar que este texto pode ser um gatilho, não é pra ser, mas pode. Atente-se para as verossimilhanças.
O cenário: uma casa na periferia, as paredes rabiscadas sinalizam que ali vive uma criança e sua jovem mãe cheia de contas para pagar, que madruga para o trabalho todos os dias, que enfrenta ônibus lotado, oito horas de labuta, desaforo de patrão, mais baú lotado na volta; uma mulher que sustenta altas responsas sozinha.
A sobrecarga, o corre, o desespero pra fazer grana pro aluguel e pra comer, isso aí ela tira de letra, mas as mentiras, o abandono e a manipulação que fazem com sua cria, não. Essas fitas atormentam o coração dela. Quem beija meu filho, adoça minha boca, diz o ditado. O pior que podem fazer para uma mãe não está nela, mas fora, na sua cria. No caso de uma nação, em seu povo.
Sabendo do histórico de negligência do outro e que esse não cumpriria com suas responsabilidades e com o que fora combinado, de garantir direitos e realizar as promessas, na tentativa de proteger e resguardar o coraçãozinho da cria, a mãe inventava alguma desculpa: ... tá trabalhando e não vai dar pra vir. Ela não contava a verdade porque queria proteger sua cria da dor do abandono.
Um lado tentando proteger, enquanto o outro, metendo o loko, manipulando e foda-se as vidas: meu deleite acima de tudo, eu acima de todos! Com todo um arsenal destrutivo, o lobo vestido em pele de cordeiro, dizia: a culpa é da sua mãe, ela que não deixa você ver o papai. A crueldade do outro se apresentava ainda mais perversa. Como quando se afirma: óbito também é alta. Vil. Outras tantas inverdades eram ditas. A situação chegou ao extremo: a criança passou a odiar a mãe. A batalha dessa mulher parecia perdida, mas ela tava sempre ali, presente no exemplo.
Sou do clã que acredita que se seu discurso não condiz com sua prática uma hora cê não sustenta a farsa e é descoberto, pêgo com a boca na botija e todo o mal feito é revelado. Esses dias, vi o desfecho dessa história que compartilhei com vocês. Final inspirador.
Lembrei do meu pai dizendo: é possível enganar algumas pessoas todo o tempo; é também possível enganar todas as pessoas por algum tempo; o que não é possível é enganar todas as pessoas todo o tempo. Não tenho certeza da autoria, mas na pesquisa que fiz apareceu que essa reflexão é do Abraham Lincoln.
Apesar de sua tenra idade, a cria percebeu as contradições que existiam. Passou por um processo doloroso, porém engrandecedor de percepção. Não sozinha, mas com o apoio da mãe. Quando se sentiu pronta abriu o WhatsApp e enviou: eu sei que minha mãe NUNCA me proibia de ver vocês. Vocês que nunca ligavam e ficavam fazendo alienação parental. Eu sei de TU DO.
Essa vivência me confirmou, no micro, que na História ninguém escapa da verdade, não importa em quantas mentiras e disfarces se esconda, não importa o tempo que demore, ela sempre vem à tona e a desesperança sempre vem antes da vitória. Transferi pro macro.
*Meimei Bastos é escritora e poeta
** Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
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Edição: Flávia Quirino