Distrito Federal

Criatividade

Projeto da UnB estimula crianças a serem investigadoras

Semillero Brasil promove experiências coletivas a partir dos interesses e curiosidades próprios das infâncias

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Crianças investigadoras da CAP-Paranoá durante atividade do projeto Semillero Brasil, em 2020. - Foto: Reprocução/Instagram

A pequena Iara tem 6 anos e recentemente escreveu um livro sobre a vida dos leões. Esse foi o tema que ela escolheu investigar a partir do projeto de extensão Semillero Brasil, da Universidade de Brasília (UnB), que promove um processo de investigação próprio das infâncias a partir de suas curiosidades e interesses.

"Quando eu sou investigadora, é muito legal porque eu vou saber coisas que eu nunca descobri. Quando eu acho que uma coisa é assim, eu descubro que é outra coisa", relata Iara em entrevista ao Brasil de Fato DF.

Fã dos leões, Iara queria saber onde eles vivem, o que comem e como se relacionam. Ainda em processo de alfabetização, ela contou com a ajuda da mãe, Ana Vitória Piaggio, para escrever o texto, a partir de suas próprias ideias e descobertas ao longo do percurso, que contou com a ajuda de uma professora especialista em grandes felinos. Ela ainda desenhou as ilustrações do livro e recortou fotografias para mostrar diferentes espécies de leões. A obra ainda está para ser lançada para o público em geral.


Iara mostra o livro que escreveu sobre a vida dos leões, no Encontro de Crianças Investigadores, durante a Semana Universitária da UnB, em setembro. / Reprodução/Youtube

O nome da iniciativa, Semillero, é de origem espanhola e faz referência a ideia de semear, ou seja, partilhar e multiplicar. Neste caso, semear os saberes. A proposta tem origem na Colômbia, onde já existem milhares de semilleros, que são grupos de investigação formados por crianças e jovens, abrigados em escolas e universidades de todo o país, e também já se expandiu para outros países, como o Chile. No Brasil, o projeto é desenvolvido pela Faculdade de Educação da UnB, sob coordenação da professora Fátima Vidal.

Desde que começou, em 2015, o Semillero Brasil promoveu uma série de atividades de formação docente e discente e desenvolveu ações diretas em algumas comunidades escolares do Distrito Federal.

Um dos três pilares da universidade pública, ao lado de ensino e pesquisa, a extensão é a ação universitária com a comunidade externa, fundamental para a integração e transformação social a partir do conhecimento. Estudante de graduação em Pedagogia e extensionista do projeto, Lívia Martins atua como co-investigadora no Semillero Brasil, e diz que o projeto vai além de um estímulo à pesquisa por parte das crianças.

"A gente trouxe esse termo investigação. É uma coisa mais lúdica do que simplesmente uma pesquisa. Trata-se da capacidade assombrar-se, de se encantar com as descobertas. A investigação pela investigação mesmo, para as próprias crianças trazerem à tona os seus interesses", diz.

Quem também atua como investigadora no projeto é a Elis, 8 anos, irmã da Iara. Ela adora festa do pijama, momento em se reúne com suas amigas e familiares para brincar e se divertir. Gosta tanto que escolheu esse tema no processo de investigação. "Eu já sei muita coisa sobre festa do pijama. Agora vou fazer um vídeo para o meu canal no Youtube, que vai ser uma festa virtual no PKXD para mostrar como", conta.


Elis, de 8 anos, na abertura do Encontro de Crianças Investigadores, durante a Semana Universitária da UnB, em setembro. / Reprodução/Youtube

O PKXD é um aplicativo de jogo infantil, que virou febre entre crianças, e permite customizar universos virtuais a partir da criatividade dos usuários.

Comunidades

O Semillero Brasil já atuou em quatro espaços educacionais do DF. Nos primórdios do projeto, a primeira experiência ocorreu na Escola Associativa Vivendo e Aprendendo - a partir de monitores do programa, que começaram a fazer projetos de investigação.

A iniciativa também já ocorreu na Escola Classe da 115 Norte, tida como uma referência na rede pública, e no Instituto Azul Turquesa, que é um espaço de contraturno escolar que desenvolve uma série de atividades complementares de estímulo à criatividade das crianças. Mas foi na CAP, a Comunidade de Aprendizagem do Paranoá, que o Semillero Brasil conseguiu expandir sua atuação como projeto de experiências coletivas.

Inaugurada em 2018, a CAP tem como proposta a expansão da prática pedagógica para além dos muros da escola. Em vez de salas de aula, há espaços de aprendizagem. No lugar de um currículo definido apenas pelos professores, há projetos coletivos construídos para atender a realidade das crianças.

"O que eu acho mais fantástico disso é o trabalho com território e o reconhecimento dos saberes não-formais. A avó vai poder contribuir mais do que o Einstein, dependendo do tema de interesse da criança. Eu acredito que, a partir do projeto, a gente consegue estimular essa curiosidade e criar uma relação invertida, a partir do conhecimento da família, dos territórios", aponta Lívia Martins.

Com a pandemia, os trabalhos presenciais do Semillero Brasil foram suspensos e o projeto passou a ser desenvolvido de forma virtual. Ao longo de agosto deste ano, por exemplo, o projeto promoveu um trabalho de experiência coletiva envolvendo cerca de 20 crianças entre 7 e 12 anos, com encontros semanais virtuais.

Trilhas investigativas

O projeto também lançou um e-book em que detalha a metodologia de quatro passos das trilhas investigativas propostas para as crianças. O primeiro passo é sempre descobrir qual é a pergunta da criança, a partir da observação do que está sua volta e dentro de cada um. O segundo passo é compreender como e com quem se pode obter as respostas à pergunta. Isso pode incluir livros, pesquisas na internet e diálogo com passos de notório saber.

No projeto, essas pessoas de notório saber consultadas pelas crianças são chamadas carinhosamente de sabichões ou sabichonas.

O passo seguinte é "colocar a mão na massa", investigar de fato, conversar com o sabichão ou sabichona, fazer leituras, percorrer o caminho. Por fim, o quarto passo é celebrar, compartilhar a experiência.

"Quem trabalha com academia, com ciência, se sente solitário. Muitas vezes existe uma competição. Mas todo caminho que você fez para chegar a essa descoberta, você bebeu na fonte de muitas outras pessoas, de muitos conhecimentos. A gente tem feito esses momentos de celebração nos grupos de investigação. Por mais que as crianças tenham interesses únicos, esse momento não é para dizer que acabou, e sim para lembrar que a gente precisa celebrar e compartilhar o conhecimento com as pessoas da nossa comunidade, da nossa família. O conhecimento por si só não serve para nada, ele precisa transformar a comunidade", enfatiza Lívia Martins.

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Edição: Flávia Quirino