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O butim do orçamento para a ciência

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A União Nacional dos Estudantes (UNE) realizou um ato em frente a sede da Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES). - Foto: Matheus Alves
Apenas uma consequência, dentre tantas, de um governo inimigo do conhecimento.

Em agosto passado, o Ministério da Economia encaminhou ao Congresso o Projeto de Lei do Congresso Nacional (PLN) 16/2021, abrindo um crédito suplementar de R$ 690 milhões para o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI).

O PLN previa, originalmente, que, do montante total, R$ 655,4 milhões seriam destinados ao Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (FNDCT), em obediência à Lei 177/2021, que torna obrigatório o investimento em ciência.

Duas semanas atrás, porém, o titular da pasta, Paulo Guedes, em ofício à Comissão Mista de Orçamento do Congresso, comunicou uma decisão do governo que feriu quase de morte a comunidade científica brasileira: o orçamento para pesquisas e projetos científicos deveria ser fatiado, contemplando seis outros ministérios.

Projeto aprovado, no Diário Oficial da União (DOU) do último dia 08 de outubro foi publicada a sanção de Bolsonaro ao corte na ciência, assim redistribuindo o orçamento: a maior fatia, R$ 252,2 milhões, para o Ministério do Desenvolvimento Regional e Agricultura; R$ 120 milhões para o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento; R$ 100 milhões para o Ministério das Comunicações; R$ 50 milhões para o Ministério da Saúde; R$ 50 milhões para o Ministério da Educação; R$ 28 milhões para o Ministério da Cidadania.

Ao final do butim que tomou 87% do orçamento para a ciência e tecnologia, ao MCTI restaram R$ 89,8 milhões, dos quais a pasta deverá alocar R$ 82,5 milhões na produção de radiofármacos (medicamentos para tratamento de câncer).

Assim, uma sobra de pouco mais de R$ 7 milhões (ou, pouco mais de 1% da proposta original) é o que se terá para fomentar as bolsas do Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq).

A manobra não foi resultado da ponta do lápis de Guedes: Bolsonaro precisava atender parlamentares cobrando injeção de recursos em áreas de seus interesses. Cobrado e criticado, o Ministério da Economia garantiu que, para compensar, em 2022, fará um considerável aumento nos recursos para investimento em pesquisa – palavra de quem garantiu que relançaria esse ano o edital universal do CNPq, suspenso desde 2018, além do edital de bolsas de produtividade dos pesquisadores, e, até o presente momento, nada.

Quando a cobrança bateu à porta do titular do MCTI, o ex astronauta Marcos Pontes, descobriu-se que o governo o deixara no mundo da lua: nem sequer fora participado da decisão do corte, donde foi legítima sua perplexidade ao declarar, em seu perfil no Twitter, a "falta de consideração".

Durou pouco: em reunião ministerial, Bolsonaro e ministros sabujos deixaram patente a insatisfação com a sua fala, cobrando-lhe que “jogasse junto”, e Pontes voltou a contar estrelas no firmamento.

Repercussão e impacto

Imediatamente após a publicação do corte no DOU, as oito entidades científicas que compõem a Iniciativa para a Ciência e Tecnologia no Parlamento (ICTP-BR) redigiram e subscreveram a nota “Manobra do Ministério da Economia afronta a ciência nacional”, que fizeram chegar ao presidente do Senado – e do Congresso –, Rodrigo Pacheco, apelando para a interlocução do Legislativo com o Executivo em favor da ciência.

Para Renato Janine Ribeiro, ex-ministro da Educação, hoje presidente da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência (SBPC), a manobra do governo ameaça a pesquisa no país, colocando-o diante de um “apagão científico”.

Não é exagero, quando se compara o Brasil, por exemplo, aos EUA, cujo governo investe trilhões de dólares, por ano, para pesquisa nos mais diversos segmentos científicos, pois sabe: conhecimento é sinônimo de desenvolvimento e soberania.

O avesso disso pode ser comprovado na Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes), que, sob o governo Bolsonaro, por falta de orçamento, teve de reduzir o número de bolsistas – predominantemente no Nordeste – e não consegue contemplar a contento os cerca de 60 mil bolsistas ativos, boa parte deles no Programa Institucional de Iniciação à Docência e o Residência Pedagógica, ambos voltados para a formação de docentes.

A Capes precisa de um aporte de R$ 124 milhões, mas só o que tem no horizonte é a aprovação, pelo Congresso, de um crédito suplementar de R$ 43 milhões, suficiente apenas para saldar a folha de setembro, já atrasada.

Apenas uma consequência, dentre tantas, de um governo inimigo do conhecimento.

Contra essa ofensiva de desmontes, movimentos e entidades de docentes (dentre elas a ADUnB), estudantes e pesquisadores, constroem uma agenda de luta unificada, para defender a ciência, a Universidade Pública e a Soberania Nacional.

*Diretoria da Associação dos Docentes da Universidade de Brasília (ADUnB - S. SInd. do ANDES-SN)

** Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.

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Edição: Márcia Silva