É possível ao cidadão e a cidadã influenciar as decisões parlamentares?
Já tentaram entrar na Câmara dos Deputados? Falar com um parlamentar diretamente? Acompanhar a tramitação de um projeto de lei?
Em uma democracia o acesso ao parlamento deveria ser facilitado, mas observamos sérios limites à participação social nas tomadas de decisão. Os critérios de entrada nas dependências do Congresso mudam muito, a divulgação da pauta não tem a devida antecedência da votação para que possamos incidir, e algumas propostas tramitam tão rapidamente que inviabilizam o debate democrático.
A pandemia do novo coronavírus forçou a utilização do meio virtual para atividades em diversas áreas, incluindo o Legislativo. Os debates parlamentares e as votações de projetos de lei passaram a ser realizados por aplicativos e as dependências das duas casas do Congresso Nacional ficaram fechadas ao público.
Listo aqui três pontos importantes sobre a atualidade do processo de participação social no legislativo:
1. O que pensa a sociedade civil organizada?
Uma iniciativa da Rede de Advocacy Colaborativo, assinada por 111 entidades da sociedade civil, publicou um manifesto com reivindicações para reduzir o impacto negativo da virtualização sobre a possibilidade de acompanhamento popular do processo legislativo. Dentre elas podemos citar:
a) A realização de audiências públicas para debater as propostas de lei – os parlamentares precisam ouvir a sociedade civil e especialistas sobre os temas em análise;
b) Votação nominal para as propostas apreciadas durante o período emergencial – alguns temas são decididos a partir da orientação dos partidos, e os votos são computados globalmente. Por exemplo, o líder de um partido anuncia que a posição da sigla é contra o projeto e todos os votos daquele partido são computados seguindo a linha do líder. A depender do caso, esse formato acaba por reduzir a pressão sobre os representantes, que não precisam se expor em temas polêmicos ao ter que declarar o seu voto publicamente na chamada votação nominal;
c) Transparência da reunião do Colégio de Líderes - o encontro dos líderes partidários para definição da pauta do Plenário é fechado e o resultado dos debates não costuma ser publicado. Sendo assim, a sociedade civil não consegue articular em tempo hábil respostas aos temas discutidos;
d) Maior previsibilidade e tempo entre a divulgação da pauta e a votação dos projetos de lei. Quando uma proposta de lei é pautada para votação, os diversos grupos interessados no tema precisam de tempo para elaborar notas técnicas, dialogar com parlamentares e assessorias.
2. Como está a entrada nas dependências da Câmara e do Senado?
Atualmente, cada parlamentar pode autorizar a entrada de, no máximo, cinco pessoas por dia na Câmara dos Deputados. A autorização é feita através do envio de um código para o e-mail da pessoa convidada.
Além dessa possibilidade, é possível fazer o cadastro de jornalistas e organizações da sociedade civil com atuação nacional para que indiquem um representante autorizado a portar um crachá que libera automaticamente a entrada.
No Senado, é preciso fazer um cadastro e pedir autorização de um gabinete.
Essa “organização” limita a entrada das entidades e praticamente impede o acesso do cidadão comum que não representa as organizações autorizadas e que não sabe como acessar os gabinetes parlamentares.
Se esse sistema for mantido, as manifestações com cartazes de pessoas do povo deixarão de existir.
3. Ainda é possível ao cidadão e a cidadã influenciar as decisões parlamentares?
A resposta é sim, mas com limitações que persistem.
A incidência política demanda cada vez mais profissionalização e, nessa linha, acaba por excluir reivindicações difusas e independentes, assim como as mobilizações de entidades que não tem o advocacy como umas das suas formas de atuação.
Os retrocessos são tão imensos que perdemos de vista a possibilidade de que as mobilizações sociais adentrem o espaço das duas casas do Congresso Nacional e de que o calor do povo impeça votações ou acelere a aprovação de projetos de lei.
Temos o direito de gritar nos corredores, levantar cartazes nas Comissões, lotar os corredores e expressar o desejo e a indignação que as notas públicas têm dificuldade em traduzir.
*Leonardo Santana é advogado e doutorando em Direitos Humanos pela Universidade de Brasília (UnB)
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato DF.
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Edição: Flávia Quirino