Uma vez eu li em um dos meus estudos feministas a seguinte frase “se você nasce mulher você já está em desvantagem”.
Infelizmente essa é a realidade da mulher brasileira. As mulheres morrem todos os dias por serem mulheres. Vítimas de uma violência estrutural, machista e misógina, onde o Estado é o primeiro violador.
A violência começa na infância, quando meninos têm de usar azul e meninas rosa, quando as meninas são responsabilizadas desde cedo pelo trabalho doméstico não remunerado, quando dentro de casa são abusadas sexualmente pelo parente mais próximos e ao disputarem o mercado de trabalho, além do constante assédio sexual, são desvalorizadas em sua remuneração, mesmo ocupando o mesmo cargo que os homens.
Segundo dados do Ministério da Saúde, 85% do total de casos de violência contra crianças e adolescentes estão relacionados ao feminino. Esses dados refletem, entre diversos fatores, uma cultura baseada na profunda desigualdade de gênero, no machismo e na objetificação dos corpos de mulheres desde os períodos da infância e adolescência.
A forma mais grave da violência doméstica é o feminicídio, que passou a ser reconhecido legalmente com a Lei 13.104, de 2015. O feminicídio é qualquer homicídio cuja vítima seja mulher e o motivo do crime seja relacionado ao seu gênero, envolvendo violência doméstica e familiar ou discriminação à condição de mulher.
Os dados sobre feminicídio no DF são de apavorar.
É inconcebível, por exemplo, que na capital federal Ibaneis Rocha em 2019, seu primeiro ano de mandato - quando registrado 34 casos de mulheres mortas, o maior número desde 2015, - compare os casos de feminicídios com o suicídio e declare que não deveria ter divulgação.
No mesmo ano, o governador de Brasília, pouco se importando com o tema, rejeita a instalação de uma CPI do feminicídio na Câmara Legislativa, promovida pelo trabalho da Assembleia Popular Pela Vida de Todas as Mulheres do DF e Entorno, onde foi apresentado um relatório contundente sobre políticas públicas para a melhoria na gestão de direitos humanos.
Mesmo assim, a união das mulheres conseguiu instalar a CPI do Feminicídio na Câmara Legislativa do Distrito Federal no dia 5 de novembro de 2019. O relatório final foi aprovado no dia 10 de maio de 2021 e encaminhado a autoridades do DF.
A conclusão dos trabalhos investigativos é de que há omissão e falhas no tratamento às vítimas de violência doméstica e de feminicídio. Segundo o relatório, que analisou 90 casos de tentativas e de feminicídios consumados entre 2019 e 2020, as mulheres negras são as principais vítimas no DF, cerca de 79%, praticamente 8 de cada 10 vítimas. Quase 50% já tinham medidas protetivas de urgência contra o agressor antes do crime e em 75% dos casos verificou-se denúncias e registros anteriores aos assassinatos.
O descaso dos gestores públicos e a pandemia agravaram a situação das mulheres no DF e Entorno.
Em 2020 foram 17 mulheres mortas por serem mulheres. O ano de 2021 nem acabou e já são mais de 20 vítimas desse sistema assassino.
::Feminicídio: mais duas mulheres perdem a vida no DF ::
Além disso, precisamos lembrar que Jair Bolsonaro (sem partido) vetou a distribuição gratuita de absorventes para pessoas de baixa renda, medida prevista no Projeto de Lei 4968, de 2019, que foi aprovado pela Câmara dos Deputados e Senado Federal. A pobreza menstrual atinge pessoas que menstruam e impacta diretamente na evasão escolar. Mais uma violência cometida pelo Estado violador de direitos das mulheres.
E o que o feminismo tem a ver com tudo isso?
Primeiro tem que se fazer entender que este movimento social não é universal, é plural. Não é luta por igualdade, é contra a opressão e violências citadas no primeiro parágrafo. Não é modinha, já que a luta das mulheres pretas e indígenas pelo bem viver vem antes do século XIX, quando as sufragistas lutaram pelos direitos civis.
Dados estatísticos, estudos qualitativos e as vidas de muitas mulheres revelam que apesar dos importantes e incontestáveis avanços alcançados pelas mulheres, o movimento feminista ainda é necessário. Em tempos em que se pretende convencer a todas, todos e todes que a equidade entre homens e mulheres já é uma realidade, o movimento que luta por uma sociedade mais justa continua sendo atuante e incorporado por novas gerações.
Sou semente da primavera feminista no Brasil. Uma descendente natural desse movimento, que indaga o governador sobre o veto à Praça Marielle Franco em Brasília e que por meio de pesquisa e vivência tenta mostrar o quanto as mulheres, principalmente as negras, são silenciadas e mortas pelo sistema que nos governa.
No livro Feminismo e Democracia - A luta incessante por uma sociedade antirracista e justa! faço referência à atuação das mulheres nos espaços de poder e como a representatividade partidária não é suficiente para a mudança de atitudes em relação aos direitos civis, políticos e econômicos do ser feminino.
Trago luz à atitude de melhorar o índice de desenvolvimento humano de grupos vulneráveis deveria ser entendido como melhorar o índice de desenvolvimento humano de uma cidade, de um país. E, para tal, é preciso focar na realidade. A realidade de uma uma Capital Federal que ainda despreza o ser feminino.
É claro que só sairemos desse buraco se enfrentarmos a crise sexista e misógina implementada há pelo menos cinco anos nesse governo golpista. É preciso cuidar dos mais vulneráveis, aceitar sair do lugar de privilégio, só assim começaremos a nos revolucionar. Mas sem políticas públicas que promovam a escuta das mulheres, periféricas, estudantes e trabalhadoras, o Brasil e a capital da esperança nunca avançarão.
*Thamy Frisselli é mulher, ativista, jornalista, feminista e sindicalista.
**Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato DF.
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Edição: Flávia Quirino