Distrito Federal

Coluna

PARTE 1 | Fim de ano indigesto para quem tem fome de comida e de justiça

Imagem de perfil do Colunistaesd
Neste natal haverá fome na mesa de pelo menos 20 milhões de brasileiros e brasileiras. - Ednubia Ghisi e Regis Luís Cardoso/Fotos Públicas
No Brasil, mais de 130 mil crianças de até 17 anos perderam o pai e a mãe para a covid-19.

Em todo fim de ano há um desejo coletivo de mudança. Reflexões, análises, avaliações, promessas, planejamentos.

Independente da crença de cada um, fim de ano é aquele momento fora da curva dos 11 meses que se passaram. 

Talvez por fechar um ciclo. Entretanto, o fim de 2021 vem sendo construído de forma inquietante. 

Na maioria dos estabelecimentos, já estão acesas as luzes piscantes e enfeitadas as árvores de Natal. 

Nos supermercados, os corredores estão repletos de produtos típicos desse período e os anúncios de promoção não param de soar. 

Mas a verdade é que haverá fome na mesa de pelo menos 20 milhões de brasileiros; e quase nada para tantos outros milhões.

Esse fim de ano também flagra orfanatos mais cheios, inclusive de tristeza. 

No Brasil, mais de 130 mil crianças de até 17 anos perderam o pai e a mãe para a covid-19. 

Um número que poderia ter sido muito menor se, a exemplo de outros países, a vacina tivesse chegado cedo. 

Algumas dessas crianças foram acolhidas por parentes, mas muitas outras esperam ser adotadas.

Ao mesmo tempo em que crianças se veem órfãs, mães choram a perda de seus filhos, também vítimas do vírus e da política nefasta que matou mais de 616 mil pessoas no nosso país. 

Elas chorarão a falta do abraço apertado e do beijo desejando feliz Natal.

Nas escolas, crianças e adolescentes fecham o ano letivo com déficit educacional.

Embora o esforço hercúleo de professores e professoras e de todas as pessoas que frequentam as escolas, a ausência de políticas públicas para a educação deixou marcas irreversíveis. 

O estudo Perda de Aprendizagem na Pandemia, realizado pelo Insper e pelo Instituto Unibanco, levantou que, em comparação com as aulas presenciais, no ensino remoto, os estudantes aprendem, em média, 17% do conteúdo de matemática e 38% do de língua portuguesa. 

E é essencial lembrar que esse não é um resultado gerado pelo ensino remoto em si. É mais do que comprovado que esse tipo de ensino foi essencial para que vidas fossem poupadas. 

Esse déficit é gerado pela falta de estrutura de como o ensino remoto foi implementado, a começar pela ausência de internet nas escolas e nas casas de professores e estudantes.

Até as confraternizações de fim de ano das empresas não serão as mesmas. 

O Brasil fecha 2021 com 15 milhões de desempregados.

Com isso, provavelmente, as rodas de conversa lembrarão aqueles trabalhadores e aquelas trabalhadoras que passaram, muitas vezes, duas décadas no mesmo emprego e, aos 50 anos, foram demitidos porque as empresas não tinham mais como pagar seus funcionários.

Também é um fim de ano que apresenta um grande número de pessoas que se dizem cristãs, mas fazem justamente o contrário da justiça, da paz e da igualdade que, segundo a Bíblia, Jesus Cristo pregava. 

Numa onda de ódio insana, armas são disparadas contra aqueles que não compactuam da mesma ideologia política; aldeias indígenas inteiras são dizimadas; cresce o assassinato de jovens negros; a violência contra as mulheres é banalizada; LGBTQIA+ são perseguidos em nome de Deus. 

É um fim de ano que mostra a cara de um Brasil que caiu nas mãos de quem é declaradamente contrário ao povo, mas que vai comer e beber muito bem nas tradicionais ceias de Natal e de Ano Novo. 

Um fim de ano que gera mais que reflexões: gera também tristeza, desespero e preocupação com o ano que chega e deveria ser próspero. 

É sim um fim de ano indigesto. 

Mas é também um fim de ano que mostra que somos capazes de superar as mais profundas dores, incertezas e ataques. 

Que possamos nos refazer com quem está ao nosso lado na luta por um Brasil que quer trazer de volta sorrisos e esperança.

Isso é possível. 

E é sobre esse renascimento que falaremos no nosso próximo encontro aqui.

*Rosilene Corrêa é professora aposentada da rede pública de ensino do DF e dirigente do Sinpro-DF e da CNTE.

** Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato - DF.

:: Clique aqui para receber notícias do Brasil de Fato DF no seu Whatsapp ::

 

Edição: Márcia Silva