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Coluna

Carta para um pai

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"Dizem que o amor por um filho é incondicional, um amor sem fim, inabalável" - Foto: Matheus Alves
Você pode ser diferente, pai, e ser capaz de aceitar o amor

O amor é uma combinação de cuidado, compromisso, conhecimento, responsabilidade, respeito e confiança. (bell hooks)

Querido Pai,

Às vezes me pego pensando como foi saber da minha chegada. Foi um momento de alegria, churrasco, rodada de cerveja e você todo orgulhoso com os amigos do futebol? Aconteceram comemorações no trabalho? E como foram as reações da família? A vovó sabendo do primeiro neto, os meus tios e tias se imaginando nesse posto. Como foi ver toda essa comoção? Imagina a aflição que foi pra vocês até descobrirem se era menino ou menina? Se for menino, meu garanhão e se for menina, a princesinha do papai. 

E quando soube que era um menino? Eu vejo você idealizando a gente na frente da TV no domingo vendo o jogo do timão depois de me ensinar a andar de bicicleta. Eu ouço você dizendo “meu filho vai ser tudo que eu não fui”. A mãe contou que você se ajoelhou e beijou a barriga dela por horas, e fazia isso repetidas vezes, quando saía do trabalho e assim que chegava. Dizia a frase “meu filho, eu te amo e te amarei sempre, do jeito que você for”. 

Eu nem nasci e já tinha a fama de guerreiro, atleta, franco atirador e o terror das menininhas. Dizem que o amor por um filho é incondicional, um amor sem fim, inabalável. Quantas vezes ouvi de você mesmo “eu só pensava em você, falava de você pra todo mundo, contava as horas pra ficar com você”. Lembro que me apontava e dizia que eu era sua cópia, que minha mãe só carregou na barriga e botou no mundo, que eu era você. 

Aos poucos começaram as cobranças. Precisa aprender a ser homem, homem não chora, homem que apanha na rua apanha o dobro em casa, tem que honrar o que tem no meio das pernas, homem não brinca com mulherzinha, homem joga bola. Eu fui crescendo e vendo que não gostava de bola, mas pra você isso sempre foi só uma fase. Eu não suportava ficar duas horas vendo 22 homens correndo atrás de uma bola e só queria fazer outras coisas, mas pra você não servia. Eu via nos seus olhos “o que tá acontecendo com meu garoto? Por que foge das aulas de educação física?” 

Amor de pai não impõe condições, amor é amor. Mas o seu amor não me ouvia, ele só dizia “eu amo meu filho, por isso quero o melhor pra ele”. Você nunca percebeu que eu não falava quando tinha alguém de fora em casa? Por que eu sempre estava sozinho? Por que eu só tinha amigas? Por que sempre apanhava na escola? Por que eu estava triste? 

E sempre aqueles olhares julgadores e a cobrança de TODOS, pra não parecer uma “menininha”.

Cada ano que passava você me olhava esperando o seu macho alfa idealizado no seu imaginário. Eu me sentia acuado, não ria, não falava, não me expressava porque eu não era como os outros meninos. Não tinha a voz, não pensava igual, não agia igual, eu não era igual. Eu me esforcei tanto pra não ser quem eu era, e sim ser o “garanhão” que sentaria no sofá para ver o jogo bebendo cerveja, soltando grandes arrotos e contando das menininhas que peguei na escola. Mas esse não era eu.

Hoje eu sou um homem, não como você idealizou há anos, mas sim EU SOU UM HOMEM. Não tenho o pai que me amaria do jeito que eu fosse, que se orgulhava e contava as horas pra estar comigo. Hoje eu sou a opinião e julgamento dos outros “homens”. O homem da igreja, do bar, da casa do lado, aquele do trabalho que nem aqui em casa vem mais. Esses homens que me humilham, riem e fazem sua cabeça contra o filho que você jurou amar incondicionalmente. Eles se tornam sua prioridade e não mais minha felicidade. O te amarei do jeito que for, se transformou em TE AMAREI ENQUANTO FOR O QUE EU QUERO QUE SEJA.

Espero que esse novo filho realize os seus sonhos, ou melhor, que você não o cobre tanto, que tenha aprendido e melhorado, para não perder mais um filho cumprindo dessa vez a sua promessa de proteger e amar incondicionalmente. Não seria melhor tentar ser esse pai que você jurou ser e nunca foi?

Ainda dá tempo. Sempre podemos evoluir e agir de outra forma. Você pode ser diferente, pai, e ser capaz de aceitar o amor. E te digo isso porque em outras estradas da vida encontrei pessoas que me amam assim exatamente como eu sou. 

Inspire-se nas sábias palavras de Nelson Mandela: 

"Para odiar as pessoas precisam aprender, e se elas aprendem a odiar, podem ser ensinadas a amar.” 

Beijos do seu filho que segue te amando.

*Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato DF.

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Edição: Flávia Quirino