Distrito Federal

violência policial

Dinâmica dos fatos contradiz versão da PM para chacina na Chapada dos Veadeiros

Abaixo-assinado contra ação policial já conta com milhares de adesões

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Armas e plantas de maconha que teriam sido apreendidas pela Polícia Militar no local da chacina - Divulgação PMGO

A morte de quatro homens pela Polícia Militar de Goiás (PMGO), em uma chácara de Cavalcante, na Chapada dos Veadeiros, segue levantando suspeitas e provocando revolta na comunidade local. Mais de uma semana após a ação policial, ocorrida no dia 20 de janeiro, alguns detalhes sobre o caso começam a aparecer. 

Salviano Conceição, Chico Kalunga, Ozanir Batista da Silva (conhecido como Jacaré) e Alan Pereira Soares foram baleados por homens do Grupo de Patrulhamento Tático (GPT) da PMGO, que estariam averiguando uma suposta denúncia de plantação de maconha no local.

A GPT regional tem sede em Niquelândia e abrange também o município de Colinas do Sul. Apesar disso, embora esteja próximo de Colinas, a chácara onde ocorreram as mortes está dentro dos limites do município de Cavalcante, região que estaria fora da jurisdição de atuação dos policiais.

Na versão da PM, após chegarem na propriedade, os policiais teriam sido recebidos a tiros por sete pessoas que estavam no local e, por isso, reagiram. Quatro morreram e três conseguiram fugir.

Ao todo, foram 58 disparos, sendo 40 de fuzil e 18 de pistola, segundo o boletim de ocorrência. Essa versão, no entanto, tem sido amplamente contestada por amigos, familiares e pela população local, justamente porque não há evidências de troca de tiros no local e as armas apreendidas não seriam das vítimas, segundo testemunhas.

Além disso, as quatro vítimas seriam pessoas conhecidas na região e tida como pacíficas. Também não há registro de antecedentes criminais.

A reportagem do Brasil de Fato conversou com pessoas que estão acompanhando as investigações. Elas deram alguns detalhas sobre o que já se sabe da dinâmica do caso. Os nomes das fontes serão preservados por razões de segurança.

Os policiais, que eram sete no total, chegaram a pé na propriedade após estacionarem a viatura algumas centenas de metros antes. No local, que era propriedade de Salviano e onde estavam os pés de maconha, no entanto, ninguém foi encontrado. Eles então decidiram ir até a chácara vizinha, nas proximidades, esta de propriedade de Ozanir Batista, o Jacaré. Foi lá que eles encontraram as quatro vítimas. Elas teriam então sido rendidas e conduzidas de volta para a propriedade de Salviano, onde acabaram sendo mortas. 

O áudio de uma das testemunhas do caso viralizou na internet essa semana. Ele foi atribuído à esposa grávida de uma das vítimas, que estava no local. No relato, a mulher conta que não houve reação. 

“Falaram para os meninos deitar. Os meninos deitaram. Falaram que os meninos correram para o mato, mas os meninos não correram. Em momento algum os meninos reagiram. Até porque nem arma eles tinham. As armas todas, você sabe que foram plantadas. Já estavam com os meninos todos praticamente presos. Eles mataram porque quiseram, não porque os meninos reagiram. Em momento algum eles reagiram”. Além dela, outras duas pessoas teriam escapado com vida da cena do crime.

Laudos cadavéricos e outras informações técnicas poderão esclarecer detalhes como a quantidade de tiros que cada um levou e a distância dos disparos. O caso está sendo investigado pela Delegacia de Polícia Civil de Cavalcante. O Brasil de Fato tentou contato com o delegado do caso, Alex Silva, mas não obteve retorno. A investigação é sigilosa.   

Conduta truculenta

Ainda não se sabe o que realmente teria motivado a ação policial seguida dos assassinatos, mas uma das vítimas, Alan Pereira Soares, morador de Colinas do Sul, já estaria sendo visado pela GPT por conta da ação habitualmente truculenta da polícia na região. 

"A GPT em Colinas é conhecida por abusos de autoridade. Os policiais costumam abordar todo mundo que eles caracterizam como vagabundo, pessoas alcoólatras, usuários de drogas ou pessoas envolvidas com algum delito de menor potencial. O Alan poderia estar envolvido com algum delito desse e estava na mira deles", relata um dos moradores da região que acompanha o caso. 

A única manifestação oficial da PM goiana até agora foi feita na última segunda-feira (24), quatro dias após a ação, quando decidiram afastar os policiais envolvidos.

Nos dias seguintes à ocorrência, antes do afastamento, os policiais seguiram trabalhando normalmente e, de acordo com testemunhas, chegaram a passar, com a viatura, nas imediações da rua onde ocorria o velório de Alan Pereira Soares, em Colinas do Sul, como forma de intimidação.  

Outra informação que vem sendo bastante questionada é sobre número de plantas de maconha encontradas. A PM chegou a informar que eram 2 mil pés, mas depois retificou para algo entre 500 e 600 pés. Elas teriam sido incineradas pelos policiais. "Eram alguns poucos pés, para consumo pessoal. O Salviano, que tinha mais de 50 anos e é daqui da região, era usuário de cannabis há décadas e tinha suas plantinhas", diz uma das fontes ouvidas pela reportagem.

O Brasil já permite o uso de medicamentos à base de cannabis para o tratamento de uma série de enfermidades, mediante receita médica. O plantio só é permitido em alguns casos autorizados por força de decisão judicial.


Moradores fizeram manifestação em São Jorge pedindo justiça, nas redes sociais lançaram a tag #ChacinanaChapada / Reprodução Instagram

Reação

O abaixo-assinado lançado por moradores da Chapada dos Veadeiros para denunciar a ação policial estava com cerca de 3,8 mil assinaturas até o início da noite desta sexta-feira (28). Dezenas de entidades de direitos humanos também subscreveram o documento. 

"Por que matar primeiro e perguntar depois? Por que não optar por uma investigação inteligente, que permita conhecer o perfil dos suspeitos envolvidos e seus antecedentes? Por que a polícia goiana em um sem número de vezes não cumpre sua missão de prender suspeitos e garantir o direito de defesa de todas as pessoas, observando o uso proporcional da força e o respeito à lei? Por que não respeitam o Estado de Direito, onde impera a lei e o devido processo legal? Por que os órgãos de controle mantidos com recursos públicos pouco agem?", diz um trecho do abaixo-assinado.

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Ainda segundo a manifestação, citando dados da mais recente edição do Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2021), publicado pelo Fórum Brasileiro de Segurança Pública, a polícia goiana é a segunda mais letal do país e responsável por 29% das mortes violentas intencionais totais.

"Outro indicador de proporcionalidade é a relação do total de mortos em intervenções policiais e o total de policiais assassinados. Em Goiás, para cada policial vítima, morrem 210 civis. É o maior índice dentre os 27 estados brasileiros. O FBI (EUA) trabalha com a proporção de 12 civis mortos para cada policial morto. Estudiosos sugerem que quando essa proporção é maior do que 15, então a polícia está abusando do uso da força letal", acrescenta.

Posicionamentos

Apesar da repercussão do caso, o Governo do Estado não se pronunciou sobre a chacina na Chapada dos Veadeiros. Em nota, o Ministério Público do Estado de Goiás (MPGO) informou já ter instaurado procedimento para apurar a ação policial.  

"O Ministério Público de Goiás (MPGO), através do Núcleo de Controle da Atividade Policial (NCAP), instaurou Procedimento Investigatório Criminal (PIC) para apurar as circunstâncias da ocorrência que resultou na morte de quatro pessoas durante ação da Polícia Militar, no dia 20 de janeiro deste ano. O PIC é sigiloso. Além disso, o MPGO está em constante contato com a autoridade judiciária que preside o Inquérito Policial a respeito do mesmo fato, acompanhando o desenvolvimento do mesmo. Em Niquelândia, a 1ª Promotoria de Justiça instaurou procedimento administrativo para acompanhar o andamento da investigação, uma vez que os policiais militares são lotados na comarca e a tomada de providências na busca de eventual responsabilização administrativa e cível são de sua atribuição", diz o MPGO. 

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Edição: Flávia Quirino