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Coluna

Brasília e sua paisagem alimentar no contexto da pandemia de covid-19

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"A produção somente foi mantida devido às alternativas pensadas coletivamente" - Foto: Matheus Alves
Novas dinâmicas de comercialização têm transformado as formas de interação campo-cidade

Em 2020 tive a oportunidade de aprovar um projeto na Universidade de Brasília financiado pelo Edital  COPEI-DPI/DEX n. 01/2020 com o título “Alimentar a cidade: o impacto econômico e social provocado pela pandemia de covid-19 no setor de alimentação em Brasília – DF”. 

A motivação para o estudo partiu inicialmente da minha observação quanto ao rápido fechamento de estabelecimentos do setor de alimentação e a interdição das feiras e mercados públicos. No início da pandemia o cenário de incerteza predominava e evidentemente que como cidadão e pesquisador da temática da geografia da alimentação eu logo me preocupei com relação ao funcionamento da rede agroalimentar.

Ou seja, qual seria o impacto da pandemia no setor de alimentação considerando os agricultores familiares, seus espaços de comercialização (feiras), os estabelecimentos de varejo alimentício (supermercados, hipermercados, atacarejos, etc) e os estabelecimentos de consumo de alimentos (restaurantes, bares e lanchonetes)?

A crise provocada pela pandemia certamente desafia o funcionamento de todo o setor de comercialização de alimentos, sobretudo o setor de alimentação fora de casa, justamente pelo seu caráter de copresença, interação e convivialidade. Brasília, assim como as demais cidades no país, enfrentou esse problema desde meados do mês de março de 2020.

A capital federal representa um importante exemplo para o estudo da dinâmica da paisagem alimentar. O fato de a cidade apresentar um intenso processo de urbanização, aumento populacional, forte poder de consumo garantido pela maior renda per capita do país e cultura extremamente cosmopolita permitiu a constituição de uma paisagem alimentar extremamente globalizada, complexa e diversa. 

Em Brasília, o primeiro caso de contaminação pelo novo coronavírus registrado pela Secretaria de Saúde ocorreu no dia 07 de março de 2020. No dia 19, o Governador Ibaneis Rocha assinou o Decreto N° 40.539 (19/03/2020) que suspendeu inúmeras atividades como medida de enfrentamento da emergência de saúde pública face ao novo coronavírus. 

No tocante ao setor da alimentação, o decreto proibiu o funcionamento de estabelecimentos comerciais, de qualquer natureza, inclusive bares, restaurantes, lojas de conveniências e afins, excluindo-se supermercados, atacadistas e varejistas, minimercados, mercearias e afins, padarias (exclusivamente para venda de produtos), açougues e peixarias.

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Diante desse quadro foi imperativo obter um quadro o mais atual possível dos impactos da pandemia no setor de alimentação. Entre os segmentos explorados na pesquisa buscamos analisar neste primeiro artigo da série sobre “Brasília e sua paisagem alimentar no contexto da pandemia de covid-19”, o impacto da pandemia na produção de alimentos com atenção para os agricultores assentados/acampados da reforma agrária.

Para tal, foram utilizados dados primários via aplicação de um questionário on-line destinado ao público da reforma agrária em áreas rurais das regiões administrativas, além de dados secundários, disponibilizados por instituições públicas. 

Os resultados mostraram que o impacto da pandemia foi intenso entre os agricultores. De forma repentina e sem qualquer apoio público, pessoas assentadas e acampadas tiveram que rapidamente incorporar práticas novas nas dinâmicas de comercialização, entrega dos produtos e serviços.

Como forma de enfrentamento dos efeitos da pandemia, os trabalhadores adotaram quatro medidas específicas: a utilização do serviço de entrega delivery; a venda de cestas agroecológicas; a participação em redes solidárias e a venda direta em feira de reforma agrária.

Essas novas dinâmicas de comercialização têm transformado as formas de interação campo-cidade ao demandar estratégias diferenciadas para alcançar os consumidores finais, contribuindo para amenizar os efeitos disruptivos da pandemia nos sistemas alimentares locais.

De acordo com os produtores que participaram da pesquisa, o impacto da pandemia foi sentido principalmente no início dada a maior dificuldade de comercialização dos produtos, porquanto o fechamento das feiras e mercados de rua foi imposto pelo decreto.

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A produção somente foi mantida devido às alternativas pensadas coletivamente mediante a constituição de redes de solidariedade entre os agricultores e demais atores da sociedade civil organizada tais como movimentos sociais, ONGs e entidades que realizaram campanhas de arrecadação de recursos para minimizar os impactos da pandemia entre as populações mais vulneráveis.

Note-se ainda o abismo existente entre os agricultores e feirantes e as redes de supermercados que em nenhum momento da pandemia tiveram suas atividades interrompidas, o que demonstra o poder das redes varejistas e sua dominância na comercialização de alimentos, dado esse que entendemos como um risco para a população e para o bom funcionamento das redes agroalimentares.

*Juscelino Bezerra é geógrafo, doutor em Geografia e professor na Universidade de Brasília

** Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato - DF.

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Edição: Flávia Quirino