Distrito Federal

Coluna

Talvez seja a hora de nos reconhecermos

Imagem de perfil do Colunistaesd
"Que militante eu e você éramos e que militante nos tornamos?" - Reprodução
A Militância sabe que do lado de cá, a luta é uma só

Gostaria de pedir licença para as pessoas que costumeiramente acompanham essa coluna com os temas relacionados à soberania energética, mas nos últimos meses tenho sentido a necessidade de falar sobre o ser militante e político que muitos de nós carregamos nas jornadas coletivas, e a vontade que sinto, é de sair perguntando a cada um: estamos nos reconhecendo?!

A intenção aqui, não é fazer critica vazia às nossas ações enquanto militantes nos últimos períodos, mas trazer a reflexão para os desafios que nós, enquanto pessoas organizadas politicamente têm para com a sociedade, mas também para todo o campo em que atuamos.

Enxergo com alguns perigos, os últimos acontecimentos, que podem prejudicar ainda mais o futuro unitário, e favorecer polarizações entre as nossas organizações. Não tenho dúvidas de que para superarmos os desafios de sobrevivermos, precisaremos voltar a nos reconectar e nos reconhecer, não somente onde atuamos, mas também enquanto campo democrático e popular!

Militância

Costumo ler com atenção as colunas do Valério Arcary, principalmente quando ele trata do tema da militância, assim com ele, também tenho refletido sobre o ser militante. Aliás, faz pelo menos 11 que reflito sobre seu significado, ainda mais neste momento pandêmico, em que nos afastamos do convívio presencial e passamos a militar mais pelas telas dos computadores e celulares. Evidentemente: Não está dando certo!

Lá atrás, quando ingressei, já existiam vários grupos e ferramentas que unia os movimentos populares. Não conto às vezes que me formei na Via Campesina enquanto fui estudante de graduação por intermédio da Federação dos Estudantes de Agronomia do Brasil (FEAB), que por sinal cumpriu um importante papel durante a Ditadura Militar e com o tempo, as necessidades da conjuntura apontaram surgimento de outras ferramentas, como o do Levante Popular da Juventude, que ampliou ainda mais o alcance da juventude, para além do movimento estudantil e que já está completando 10 anos de uma linda história!

Voltando um pouco mais o olhar para os últimos 20 anos, podemos perceber que houve outras transformações e diminuição na construção de espaços unitários, por parte do nosso campo, como: Assembleias Populares, Via Campesina Brasil, Campo Unitário, Frente Brasil Popular, e por último, a Consulta Popular. Não é que essas articulações deixaram de existir, mas pouco tem aglutinado para fortalecimento do campo e até mesmo complicado seu desenvolvimento.

O que sobrou de ferramenta que nos unifica de verdade?

Ouso dizer, que essa prática foi sendo nutrida entre as direções do nosso campo democrático e popular e a militância sendo levada junto e continua, muitas vezes sem entender e sem voz para opinar. Também vimos surgir a Plataforma da Energia - POCAE (12 anos de existência), mas quem está construindo de fato? Tenho a sensação que sobrou pouco e/ou quase nada da tão falada e sonhada unidade.

Tentativa de cerco e aniquilamento

É sabido que vivenciamos um momento de crise do capitalismo, disputas na geopolítica mundial (China x EUA) e com isso, o acirramento da conjuntura, aniquilamento das forças populares e uma disputa ideológica perversa que promoveu a polarização político-partidária aqui no Brasil, sendo nutrida desde o último processo eleitoral, e que vai demorar a sair de nossas vidas.

Dentro disso, estamos nós, os movimentos populares, sobrevivendo e como dispomos de menos sofisticação e ferramentas nessa guerra digital desigual, vamos mais reagindo do que “atacando” estrategicamente e muitas vezes nos fragilizamos, embora continuemos resistindo e demonstrando a importância de existir! As divergências e polarizações em que o mundo atravessa não se distanciam de acontecer no nosso campo. Precisamos nos cuidar. E para impedir que isso ocorra, acredito que precisemos voltar a nos enxergarmos verdadeiramente, para além do nosso movimento e da nossa pauta, senão o diálogo e a diplomacia darão lugar à polarização e humilhação do outro, pois essa é a lógica do jogo do capital!

O que estou dizendo não é novidade e nós estudamos que quanto mais se polariza na política, mais chance dá ao caos e menos democracia sobra. Esse é o jogo deles, não o nosso! Lendo o livro da Marcia Tiburi sobre o complexo de vira-lata - a análise da humilhação brasileira, como ela bem explica: “Todos participam de jogos de intersubjetivação, que se confundem com jogos de poder, sejam deles conscientes ou não”. Nesse jogo hora humilhamos, hora somos humilhados; colocamos os outros em determinados lugares e somos colocados, toda relação passa por esse processo, seja no privado ou no público.

Observo ações de grupos e até mesmo indivíduos e só consigo associar que muitas delas não ocorreriam se estivéssemos em outro contexto ao de não pandemia e isso me faz relembrar que disputas através do debate são necessárias, e sempre existiram em nossas vidas, principalmente na política e faço recorte pra falar do nosso campo, aqui elas sempre foram saudáveis e bem-vindas, tanto para os movimentos populares, quanto para partidos políticos.

Agora quando parte-se para não escutar mais o outro e simplesmente aniquilar através de uma tela. Isso, pra mim é algo irreconhecível de ver acontecendo e humanamente, só vejo uma explicação: a falta de convívio e reconhecimento entre nós!

A forma de agir dos movimentos está fundada no tripé: organização, formação e luta, mas ultimamente a sensação que tenho é que estamos numa corrida pra ver quem faz mais, e não é mais uma questão somente de mostrar força, trata-se de egos e humilhação!

Afeto e Reconhecimento

Não sei se conseguiremos reverter algumas decisões tomadas nesse período pandêmico, que ocorreram através de uma tela de computador, mas penso que ao menos elas deveriam ser refletidas e reavaliadas coletivamente e a luz da sanidade.

Há um bom tempo escuto as pessoas pedirem para que o PT faça uma autoavaliação. Façamos cada um de nós: que militante eu e você éramos e que militante nos tornamos? O que estamos vivenciando é muito sério e se não respirarmos e voltarmos a nos olharmos nos olhos, antes do meio do ano, tenho receio que seja tarde demais para recolhermos os cacos. É preciso enxergar o outro!

A pandemia é real e ela continuará entre nós por muito tempo, a ômicron continua ameaçando? Obviamente! Porém nosso campo já precisa estar vacinado e se organizando para a retomada dos espaços que favoreçam o reencontro deste campo que está maltratado, brigado e desunido para que se deem as mãos e dialoguem, mesmo que sem tantos abraços ainda, com distanciamento, usando máscaras, álcool 70º, mas sem venda nos olhos. Inclusive, essa seria uma boa estratégia de popularizarmos os testes de covid, pois muitos de nós não tivemos tantas oportunidades para testes. Alô médicas e médicos populares!! Campanha de testagem!!

Pode ser que não seja um problema de militância, mas sim de direção! A Militância sabe que do lado de cá, a luta é uma só! Mas atualmente, está faltando reconhecimento e sobrando humilhação que se espalha mais que o vírus entre nós! Na sociedade também há o jogo do reconhecimento, e ele precisa vencer o da humilhação, como Márcia Tiburi nos aponta.

:: Leia outros textos desta colunista aqui ::

*Adriana Dantas é educadora popular, militante do MAB - Movimento dos Atingidos por Barragens, atualmente contribui no Distrito Federal.

**Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato DF.

:: Clique aqui para receber notícias do Brasil de Fato DF no seu Whatsapp ::

Edição: Flávia Quirino