Mesmo durante a pandemia de covid-19, o Brasil registrou um aumento de 333% no número de famílias despejadas de suas moradias. Entre março e agosto de 2020, nos primeiros meses da emergência em saúde, um total 6.373 famílias ficaram desabrigadas. Agora, de acordo com balanço da Campanha Despejo Zero, com dados apurados até fevereiro de 2022, esse número saltou para 27.618 famílias.
Além disso, outras 132.291 famílias seguem ameaçadas de despejo em todo o país, um aumento de 602% na comparação com março de 2020, quando 18.840 famílias estavam com risco de perder suas casas.
A Campanha Despejo Zero é uma articulação nacional que reúne 175 organizações, entidades, movimentos sociais e coletivos que atuam para impedir despejos e remoções forçadas de famílias de seus locais de moradia. Lançada em julho de 2020, a iniciativa é uma tentativa de conter despejos em meio ao agravamento da crise econômica causada pela pandemia, mas aborda um problema estrutural das cidades brasileiras, que é a falta de moradia adequada.
Estados mais atingidos
Ao longo dos últimos dois anos, os estados que registraram o maior número de famílias despejadas foram: São Paulo (6.017), Rio de Janeiro (5.560) e Amazonas (3.731). O número de famílias despejadas no Paraná (1.706), Goiás (1.623), Pernambuco (1.595) e Ceará (1.472) também são expressivos. No Distrito Federal, 435 famílias foram despejadas durante a pandemia.
Já as famílias que ainda seguem ameaçadas de despejo estão concentradas em São Paulo (42.599), Amazonas (29.231) e Pernambuco (17.210). Outros estados também apresentam números significativos de famílias com risco de serem removidas de seus lares ou moradias provisórias: Paraíba (9.973), Rio Grande do Sul (4.511), Paraná (4.349), Ceará (3.480), Rio de Janeiro (3.463), Espírito Santo (3.115) e Goiás (2.760).
"É absolutamente inaceitável que no contexto da maior crise sanitária vivida no último século, que exigiu que as pessoas ficassem em casa para se proteger, tenha crescido mais de 600% as ameaças de despejo e 333% as famílias removidas forçadamente. O Judiciário e os governos deveriam ter agido, mais do que nunca, para garantir o direito constitucional à moradia, inclusive considerando a profunda crise socioeconômica que vivemos, com quase 20 milhões de pessoas passando fome e mais de 12 milhões no desemprego", aponta Rud Rafael, coordenador nacional do Movimento dos Trabalhadores Sem Teto (MTST) e integrante da Campanha Despejo Zero.
Violação legal
O número de despejos poderia ser ainda maior se não houvesse uma série de medidas judiciais e legislações que proíbem as remoções forçadas. A principal delas é a ADPF 828, que tramita no Supremo Tribunal Federal (STF), sob relatoria do ministro Luís Roberto Barroso. Uma medida cautelar imposta pelo ministro, no âmbito dessa ação, impede desocupações e despejos até o dia 31 de março de 2022, prazo que está prestes a vencer. Na justificativa, o ministro argumentou que a pandemia ainda não está totalmente controlada.
A lei federal 14.216/2021 também impede remoções. Quando foi sancionada, em outubro do ano passado, o trecho que impedia despejos foi vetado pelo presidente Jair Bolsonaro, mas o veto foi derrubado pelo Congresso Nacional. Além disso, leis estaduais aprovadas em estados como Rio de Janeiro, São Paulo, Amazonas e Pernambuco também vetam remoções forçadas durante a pandemia, além de recomendações contidas em resoluções do Conselho Nacional de Justiça (CNJ) e do Conselho Nacional de Direitos Humanos (CNDH).
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A Campanha Despejo Zero estima que pelo menos 106 processos de remoção forçada foram suspenso desde 2020, evitando que mais de 22.850 famílias perdessem suas moradias. Agora, a luta das entidades é para que o STF prorrogue mais uma vez a validade da medida cautelar que impede despejos, no âmbito da ADPF 828.
"Se não fosse a atuação das organizações e movimentos, esse cenário seria muito mais grave. Conseguimos impedir o despejo de mais de 22 mil famílias. Caso a ADPF não seja prorrogada, podemos ter uma 'epidemia de despejos' que afetará 132 mil famílias, algo próximo de 600 mil pessoas, em poucos meses, números próximos aos que a pandemia do coronavírus conseguiu fazer no Brasil em dois anos", acrescenta Rud Rafael.
Para pressionar pela prorrogação da medida cautelar que impede despejos e também chamar atenção para a gravidade do problema, movimentos populares vão realizar atos nacionais em todo o país na quinta-feira, 17 de março.
Distrito Federal
No Distrito Federal, que possui um dos maiores déficits habitacionais do país proporcionalmente, segundo os dados da Fundação João Pinheiro, 418 famílias seguem ameaçadas de despejo.
Uma lei distrital que impedia a remoção de ocupações da pandemia foi suspensa em setembro do ano passado, a pedido do governador Ibaneis Rocha (MDB), por decisão tomada pelo Conselho Especial do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT). Mesmo assim, a ADPF 828 do STF segue impedindo os despejos.
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Edição: Flávia Quirino