Todos nós sabemos que a educação pública no nosso país está repleta de problemas, desde sua infraestrutura, até questões metodológicas ou institucionais. Ao mesmo tempo em que temos entendimento a respeito do sucateamento da educação, sabemos também que compete aos Estados, aos Municípios, e ao Distrito Federal por intermédio de seus representantes, garantir que haja melhorias em tudo o que diz respeito à gestão da educação.
Isso inclui boas condições de trabalho para funcionárias e funcionários, material didático, laboratórios, bibliotecas, e salas de aula que atendam estudantes e professoras/es de maneira digna.
No entanto, diante dessa realidade de precariedade, a Controladoria Geral da União e o Supremo Tribunal Federal abriram recentemente um inquérito para investigar o desvio de verbas destinadas à educação, e o repasse ‘’prioritário’’ para pastores e seus municípios, o que fere não só a laicidade do Estado, como também ridiculariza todos aqueles que acreditam no potencial transformador da educação pública de qualidade.
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O escândalo não só evidencia os desafios que existem no Brasil, como também nos leva a fazer o seguinte questionamento: para onde vai a educação?
Um dos reflexos da corrupção e da má gestão da educação, é a questão da violência, que perpassa a escola e se faz presente em praticamente todas as discussões acerca de políticas públicas eficazes para educação.
Muitas mães e pais se queixam da violência dentro e fora da escola, o que vai de encontro com a construção da cartilha sobre convivência escolar e a cultura de paz, promovida pelos secretários Gustavo Rocha (Casa Civil), Hélvia Paranaguá (Educação), e Júlio Danilo (Segurança Pública), que será distribuída em todas as escolas em Abril de 2022.
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Para além dessa medida, outro ponto de discussão que vai de encontro com a demanda das famílias e da comunidade escolar, é o aumento do policiamento nas escolas e a implementação de escolas cívico-militares.
Apesar do crescente aumento da violência nas escolas, e apesar do plano de paz ser uma medida importante de combate a violência, isso nos traz outra inquietação: o aumento do policiamento dentro das escolas e a ampliação da militarização extingue a violência, ou só promove os estigmas que já existem?
:: A violência se produz fora das escolas ::
No início do processo de militarização das escolas, a comunidade escolar foi ‘’ouvida’’, através de diálogos tendenciosos que influenciaram no poder de decisão das famílias, estudantes e professores, professoras envolvidos. Não houve em nenhum momento um processo de formação mais profundo, que trouxesse um panorama mais completo a respeito da violência, e que provocasse os sujeitos a pensar soluções mais humanizadas para a questão.
Dentro das 15 escolas já militarizadas no Distrito Federal até fevereiro de 2022, percebe-se um despreparo dos policiais para lidar com crianças e adolescentes, sem contar as práticas arbitrárias que vão desde situações de censura à livre expressão dos alunos.
Como foi o caso do Centro de Ensino Educacional 01 da cidade Estrutural, onde os estudantes foram pressionados a retirar do mural da escola cartazes que denunciavam a violência policial, até questões de racismo, como aconteceu no Centro de Ensino Fundamental 1 no Núcleo Bandeirante, quando um menino negro foi orientando por um policial a cortar o cabelo, porque ele não se ‘’enquadrava’’ nas regras da instituição, mesmo depois da Secretaria de Educação ter flexibilizado essa questão.
Será que uma entidade pública que transgride os direitos do cidadão é capaz de defendê-lo da maneira que deveria?
Segundo o Fórum Brasileiro de Segurança Pública (FBSP), cerca de 15% das crianças e adolescentes assassinadas entre 10 e 19 anos de idade, em 2020, morreram em meio a intervenções policiais. Mesmo o Distrito Federal não tendo disponibilizado os dados, sabemos que a violência policial institucional acontece em todos os cantos do país, não somos uma exceção.
Assim como nós sabemos também que a violência policial tem cep, nome e endereço, e que atinge principalmente a juventude negra das periferias. São essas e esses adolescentes e jovens marginalizados pelo Estado, que recebem o estigma de indisciplinados e baderneiros e que são o público alvo de um modelo de escola cívico-militar.
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A presença de policiais em ambientes escolares alimenta a crença de que a segurança está atrelada à figuras de autoridade e a presença do medo.
Conseguimos exemplificar inúmeras violências que encontram respaldo nesse contexto, mas isso não vem ao caso agora. Neste momento é importante entender que a imposição da autoridade e do medo, pode até apresentar uma solução a curto prazo para o problema da violência, mas que obviamente não sana questões bem mais profundas que estão presentes não só fora da escola, mas também dentro dela. Como por exemplo: professores e alunos desmotivados, métodos ultrapassados, entre outras questões das quais todos nós temos consciência.
Mas quais seriam os passos para solucionar o desafio da violência dentro das escolas?
Para além das questões básicas relacionadas ao aumento dos investimentos na educação, acreditamos que um passo importante é aguçar os nossos sentidos para compreender que estudantes marginalizados em sala de aula não são o problema, são a solução.
Estudantes não precisam alcançar meritocraticamente a educação, mas é a educação que precisa alcançar esse grupo.
É a escola que precisa estar conectada com a diversidade e a pluralidade destas pessoas. Despertando ao máximo o potencial que todas as pessoas têm, sem exceção. Compreendo que existem inteligências múltiplas, e que todo mundo pode contribuir com a promoção de uma cultura de paz no contexto escolar. Humanizando cada vez mais os processos de aprendizagem e o fazer pedagógico, expandindo as barreiras dos muros da escola, até que a escola se torne tudo, e que a violência não seja nada.
*Cedeca DF é uma organização não governamental que tem por objetivo defender direitos humanos de crianças e adolescentes.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato DF.
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Edição: Flávia Quirino