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Jovem e moderna, cidade de sonhos e cercamentos

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"O mês de seu aniversário, é agraciada com manifestações e protestos que denunciam cercas e falam de sonhos" - Matheus Alves/Cobertura Colaborativa Apib
Pelos cantos de Brasília, manifestos contra a violência dos cercamentos, da exclusão e desigualdades

A proposta de cidade horizontalizada e integradora de Lúcio Costa, os projetos do arquiteto comunista Oscar Niermayer e os jardins e terraços de Burle Marx, renderam à Brasília títulos e honrarias. 

Digamos que um “cercamento sem cercas” fundou a capital do país.

Como nos ensinou o barbudo, a dominação capitalista só se realiza com os cercamentos, o controle e a expropriação total da massa da população. E o que significa expropriação? É retirar, de alguém, a sua propriedade ou posse, por conveniência, por necessidade pública ou por meios judiciais. 

E não é que as expropriações e as cercas simbólicas na cidade ficam mais perceptíveis em abril, mês do aniversário de Brasília?

O dia 21 de abril de 1960 marcou a transferência da capital federal do Rio de Janeiro para Brasília. Após cinco rápidos anos de construção, realizada através da mão de obra mal paga aos trabalhadores vindos especialmente do nordeste, ergueu-se uma capital geograficamente isolada do povo. O espaço político do exercício do governo executivo, legislativo (e judiciário) ficou estrategicamente distante das manifestações, dos protestos, dos reclames e da pressão popular. 

Alguns anos depois foi criada a Campanha de Erradicação de Invasões (CEI) deslocando as famílias que trabalharam na construção da cidade, para fora de Brasília e, mais uma vez, dificultando acesso e participação popular na política nacional.

:: Brasília-periferia ::

O direito à livre circulação entre os prédios das superquadras da cidade sem cercas, até hoje não combina com o horário de funcionamento de ônibus e metrô, que limita aos trabalhadores que vivem nas proximidades, entrar na cidade apenas no início do expediente e sair ao final do horário comercial. Até hoje a circulação de usuários do transporte público em Brasília respeita rigorosamente esse sentido. 

Portanto, a jovem e moderna cidade, que nasceu e continua cheia de sonhos, é símbolo da desigualdade social, carrega emblemáticas contradições e, no mês de seu aniversário, é agraciada com manifestações e protestos que denunciam cercas e falam de sonhos.

Abril, que abriu em seu dia primeiro do ano de 1968 com a instauração do AI-5, marcou a institucionalização do máximo controle da sociedade durante o Golpe Militar.

A censura estabelecida cerceou a liberdade de expressão e impediu agrupamentos, reuniões políticas e mobilizações estudantis, favoreceu o uso abusivo do poder por agentes do Estado, incitados a perseguir, prender, torturar e até matar por razões de opinião política. E se repete, em abril de 2016 com o golpe reacionário e misógino das classes dominantes contra Dilma. 

E em abril, nas ruas de Brasília, em meio a manifestações contra o golpe, ouvimos histórias sobre o sonho da democracia.

Abril Vermelho, que desde 1996 chora o assassinato de 19 camponeses Sem Terra em Eldorado dos Carajás.

:: Vinte e seis anos do massacre de Eldorado dos Carajás são lembrados em atos pelo país ::

O roubo sistemático das terras, assinalado na teoria marxista como um dos segredos da acumulação primitiva do capital, como um movimento do final do feudalismo, preparatório para o início da sociedade capitalista, se realiza até hoje no Brasil, marcando a gana pela “exclusividade” da propriedade do solo, para fins de acúmulo, produção e lucro.

E em abril, pelos cantos de Brasília, manifestos contra a violência dos cercamentos, da exclusão e das desigualdades sociais apontam para a realização dos sonhos de equidade e de uma reforma agrária popular.

Abril Indígena, que grita contra a expropriação das terras coletivas e contra o etnocídio racista. A teoria ensina que a expropriação completa das terras comuns é a base das demais formas de controle e dominação. E é isso que está em pauta no Congresso, a tese do Marco Temporal, que restringe o direito das comunidades às terras que tradicionalmente ocupam.

:: Em ano de eleições, indígenas fazem maior Acampamento Terra Livre da história do País ::

Em abril de 2022, em Brasília, o Acampamento Terra Livre reuniu mais de 200 povos indígenas, contra a tese do Marco Temporal, etnias presentes na Marcha ‘Demarcação Já’ falando do sonho da preservação das culturas, do meio ambiente e do direito ao uso comum e consciente da Terra.

E assim, a jovem e moderna capital do país revela os sonhos de um povo roubado pelos cercamentos.

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*Ju Amoretti é cientista social, psicóloga, pesquisadora de mulheres, direitos humanos e pensamento social latino-americano e, agente cultural no DF.

**Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato - DF.

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Edição: Flávia Quirino