Nos últimos meses, o Distrito Federal mergulhou em discussões sobre saúde mental, enquanto foram realizadas as etapas locais e livres da 5ª Conferência Nacional de Saúde Mental, que acontece em Brasília, de 8 a 11 de novembro deste ano.
As conferências são o momento máximo da participação social, um dos princípios do Sistema Único de Saúde (SUS). Usuários, trabalhadores e gestores, se reúnem em ambientes democráticos abertos a todos, nos quais serão definidas as diretrizes da política pública que depois deve ser colocada em prática.
A última conferência sobre Saúde Mental aconteceu há 12 anos.
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Nesse período foram vários retrocessos e ameaças: a Coordenação Nacional de Saúde Mental foi ocupada por diretores de manicômios e militantes contra a liberdade; fake news contra os Centros de Atenção Psicossocial (CAPS) dizendo que eles não funcionam quando sabemos que um CAPS no território reduz os casos de suicídio em 14%; congelamento no financiamento e abandono técnico da estratégia dos CAPS; aumento no financiamento de hospitais psiquiátricos; intensa campanha e financiamento das Comunidades Terapêuticas que são acusadas de serem espaços de violação de direitos humanos; proibicionismo contra as drogas com censura a pesquisas da FIOCRUZ que não deram os resultados que o governo desejava; desmonte do Mecanismo Nacional de Combate à Tortura; campanha de “autoridades” pela volta do eletrochoque; aporofobia e higienismo social; e ameaça de desmonte do SAMU de Saúde Mental do DF.
A realização das conferências e debates nos trazem pelo menos 5 lições.
A primeira aprendizagem é que o movimento por uma saúde mental libertária está muito vivo e pulsante.
Esse período sem conferências e esse acúmulo de retrocessos e ameaças gerou uma energia militante intensa que se materializou em uma série de eventos de debate e mobilização. Foram 14 reuniões de Redes Sociais Locais em diferentes Regiões Administrativas do DF para levantar demandas, sete conferências livres temáticas e sete conferências regionais em cada região de saúde para debater os problemas locais e eleger delegados e propostas para a etapa do Distrito Federal. Tinha e tem muita gente interessada e mobilizada, apontando desafios e soluções. Isso é participação social na construção de políticas do SUS.
A segunda lição é que devemos chamar outros saberes e fazeres para conversar sobre o tema.
Todos devem pensar em saúde mental a partir dos seus locais de atuação, nas escolas, nos serviços do Sistema Único de Assistência Social, nas Práticas Integrativas em Saúde. O adoecimento em saúde mental é um fenômeno multifatorial que tem relação com as condições de vida e de trabalho, que aparece também em ambiente escolar. E diferentes espaços têm diferentes contribuições para saúde mental. Quanto mais gente pensar assim e estiver sensibilizado para o tema, melhores condições teremos de oferecer saúde mental para a população. Isso é integralidade do cuidado.
A terceira reflexão é que não há um ideal universal de saúde mental que dê respostas pra todos os sujeitos.
Precisamos pensar diferentes soluções para diferentes realidades. Uma pessoa pobre passa por situações que uma não pobre não passa. Pessoas negras têm sua saúde mental atravessada por situações de racismo e exclusão social de séculos de escravização. Pessoas com deficiência têm barreiras de acesso e capacitismo como fatores geradores de sofrimento. Pessoas LGBTQIA+ eram considerados “doentes” por sua orientação sexual ou identidade de gênero até muito recentemente. É preciso tratar de maneira diferente os desiguais para que possam ter igualdade de direito no acesso à saúde mental. Isso é equidade do cuidado.
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A quarta conclusão é que precisamos pensar cada vez mais a saúde mental com referenciais da saúde coletiva: promoção de saúde mental, prevenção ao adoecimento psíquico e atenção ao sofrimento; determinação social do processo saúde doença abarcando questões não meramente biológicas; educação em saúde mental.
Não temos CAPS suficiente no DF, mas jamais os CAPS darão conta de toda a demanda da sociedade para a saúde mental. Precisamos trazer outras possibilidades e outras compreensões para o processo. Isso é pensar a saúde mental como sistema, em um sistema de saúde, a partir da lógica do SUS.
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A quinta lição é de que a lógica manicomial continua nas nossas práticas cotidianas.
Pessoas em sofrimento psíquico continuam sendo tratadas com violência, tentativas de intimidação, de silenciamento, de exclusão, tratados como caso de polícia em 2022. Esse era o fundamento dos manicômios e infelizmente eles seguem atuando nas práticas de algumas pessoas. É preciso reafirmar o cuidado, a autonomia, o protagonismo de todos.
Essas lições só serão aprendidas e colocadas em prática, se elas forem compartilhadas por muitos. Essa trilha só é possível construindo a muitas mãos, ombreando lado a lado, reafirmando e fortalecendo o SUS, o cuidado em liberdade, o respeito aos direitos humanos.
Toda Saúde mental é coletiva.
*Rubens Bias é psicólogo, militante antimanicomial, conselheiro de saúde do DF e fundador do projeto Escuta e Acolhimento DF.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato - DF.
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Edição: Flávia Quirino