Como me alimenta refletir, caminhar, tocar, brincar e sonhar juntes projetos por todos os lugares que passei. A exuberante beleza do Cerrado me convida a aqui estabelecer raízes.
Eu, da Zona da Mata Norte de Pernambuco, uma cidadezinha chamada Lagoa de Itaenga, só fui perceber, quase 30 anos depois, a minha origem campesina. Foram os companheiros dos movimentos sociais do campo que me abriram essa visão, na ocasião do mestrado profissional em Saúde Pública.
Lá era Mata Atlântica. Tinha lindas cachoeiras e vegetação diversa. Agora é chamada Zona Canavieira, deserto verde que expressa a dominação violenta da monocultura. O que me lembra o violento fenômeno daqui, com a expansão do agronegócio, com soja, eucalipto, milho e tantas outras.
Em Recife descobri a chamada Rede Socioassistencial, que integra comunidade e políticas públicas para descobrir formas de cuidar das pessoas da complexa cidade. Fui cativado pela Rede de Resistência Solidária (RRS), lugar do movimento Hip Hop e alguns poucos lutadores da saúde pública. Fiz minhas primeiras rimas em batalhas, graffiti em parede e atividades que apoiaram os mutirões de graffiti nas quebradas. Tinha violência policial, violência interna e dificuldades na garantia da soberania alimentar. Em nossos passos, no entanto, produzimos lutas, amor e afetos.
No Distrito Federal, sonhamos a Ecovila Conviver, a projetamos em três territórios, constituímos pessoa jurídica, convergimos e divergimos, cuidamos uns dos outros, celebramos e sentimos que a comunidade era maior.
Me apaixonei pela natureza daqui, com cachoeiras, fauna e flora tão perto da cidade, o Cerrado resiste e convida à resistência contra a toxidade da poluição e das escolhas equivocadas de muitos governantes, que por aqui passaram e os que ainda estão no Poder.
Sempre que vou à Chapada dos Veadeiros me sinto triste com a agressiva diminuição do Cerrado e o avanço das queimadas aqui e em todo o país.
O desequilíbrio ambiental que estamos vivenciando, com práticas capitalistas irresponsáveis, destruindo a natureza, o planeta, a nossa casa e ceifando o direito de viver de cada pessoa, animal, vegetal e/ou ecossistema.
Ainda hoje, o livro “Saber Cuidar”, de Leonardo Boff, é uma valiosa referência sobre como é necessário se comprometer com práticas que buscam respeitar a vida de qualquer ser vivo, considerando as suas condições.
A vida comunitária nos espaços de formação, as lutas conjuntas aos movimentos sociais, muito ensinaram sobre a importância de construir redes afetivas. O lançamento recente do livro do escritor e entusiasta Everardo Aguiar sobre esse tema me reconectou com a história viva nas relações dos olhares, dos afetos, do sentido de viver, exercitando a acolhida, a compreensão, a decisão muitas vezes difícil de enfrentar problemas com criatividade, indignação e poesia.
No Paranoá, com Martinha do Coco e os Malucos Voadores, na angústia noturna da cidade, criamos o Porta do Mundo. No Itapoã, conhecemos os Encantos do Boi da Eliana. Em São Sebas, a Casa Frida, a Olaria. Criamos e compomos música e poesia pra denunciar o golpe, a violência, para expor nossas limitações e transformá-las e para expressar o amor, que aqui nos movimentava, e tentar integrar com a natureza, que com doçura cativa, cativava.
Ainda em São Sebas, Itapoá e Paranoá, depois em Ceilândia e Taguatinga, também no Setor Comercial Sul e nos recortes marginais do Plano Piloto, foi possível rever de várias formas as estruturas capitalistas vulnerabilizando as pessoas. Principalmente pessoas negras, mulheres, indígenas e LGBTQIAP+.
A construção da Psicologia, minha formação acadêmica, não pode ser separada dessa realidade. Precisa ser parceira primeira nas trincheiras para garantir direitos humanos, seja provocando os homens a refletirem sobre as suas masculinidades, seja na mediação de conflitos nas comunidades ou entendendo a importância de ocupar também o espaço da institucionalidade.
Viver é e precisa ser um ato pedagógico e, mesmo com dor, fica evidente que aprendizagem é luta.
Como unir o campo e a cidade para proteger a natureza? Para ter alimentos saudáveis à mesa e desenvolver uma cultura sustentável, que tenha soberania alimentar e que estrategicamente fure a bolha da inflação? Como aprender a fazer, da nossa dor, arte? Enfrentar a desigualdade social, a dominação e a violência no nosso território? Como construir redes de afeto?
O novo é feito do olhar com carinho e respeito o caminho que por outros já foi desperto. E procurar reencantamento e vontade de, na diversidade, construir um DF colorido, inclusivo e diverso.
*Rafa Energia é psicólogo, educador popular, sanitarista, mestre em Saúde, conselheiro Regional de Psicologia e do Movimento Homens em Conexão.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato - DF.
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Edição: Flávia Quirino