Entre 2019 e 2020, estima-se que no Brasil tenham ocorridos 1.655 e 2.039 óbitos maternos, de acordo com dados do boletim epidemiológico do Ministério da Saúde publicado neste mês de maio, período em que se comemora o Dia Internacional de Luta pela Saúde da Mulher e o Dia Nacional de Redução da Mortalidade Materna.
O país, que foi convocado a participar da iniciativa global das Nações Unidas, conhecida como Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS), para um esforço de eliminação da mortalidade materna evitável entre os anos de 2016 e 2030, move-se em direção contrária à meta de redução de mortes maternas global de 70 mortes por 100 mil nascidos vivos.
De acordo com o boletim epidemiológico, o Brasil apresentou um aumento acentuado de morte materna, variando de 57,9 óbitos maternos para cada 100 mil nascidos vivos em 2019 para 74,7 em 2020. As ocorrências aumentaram em praticamente todas as regiões do país.
No Distrito Federal, o número de mortes maternas mais que dobrou entre um ano outro. Em 2019 foram registrados 21,2 óbitos maternos para cada 100 mil nascidos vivos. No ano posterior, os casos subiram para 53,4 óbitos para cada 100 mil nascidos vivos.
A Secretaria de Saúde do DF (SES-DF) informou ao Brasil de Fato DF que não possui dados de mortalidade materna para os anos de 2021 e 2022, bem como, informações sobre a incidência de casos por região administrativa, idade e raça.
Mortes evitáveis
A doula Gabriela Carvalho afirma que a maioria das causas de mortes maternas são evitáveis. Para ela, o acesso a um pré-natal de qualidade com profissionais capacitados poderiam reduzir significativamente os casos de mortalidade materna.
Entre 2019 e 2020, houve aumento dos óbitos maternos decorrentes de causas obstétricas diretas e indiretas. Entre as mortes por causas obstétricas diretas, predominaram a hipertensão (317), hemorragia (195) e infecção puerperal (76) e aborto (57). Entre as causas obstétricas indiretas, predominam as doenças do aparelho circulatório (111), doenças do aparelho respiratório (54) e doenças infecciosas e parasitárias maternas, variando de 45 em 2019 a 476 óbitos em 2020.
Carvalho, que atua como doula há cinco anos, destaca que as políticas públicas na área da saúde não são suficientes para garantir a qualidade no atendimento a gestante.
“Um exemplo disso foi o início da pandemia da COVID-19 que fez com que as unidades básicas de saúde reduzissem o atendimento pré-natal, algumas mulheres não tiveram nem o mínimo de consultas preconizadas pelo Ministério da Saúde. E com a portaria 715/22 que extingue a Rede Cegonha, e o lançamento da nova caderneta da gestante que contém informações equivocadas, as ações voltadas para a saúde materna estão sendo enfraquecidas e quem está pagando o preço são as mulheres”.
Em nota, o Conselho Nacional de Secretários de Saúde (Conass) informou que no dia 23 de fevereiro de 2022, o Ministério da Saúde anunciou, sem qualquer pactuação na Comissão Intergestores Tripartite (CIT), uma Rede Materna e Infantil, em substituição à chamada Rede Cegonha.
“Apesar de todo o esforço, o Ministério da Saúde publicou – unilateralmente – no Diário Oficial da União, a Portaria nº 715, de 04/04/2022, que institui a Rede Materno e Infantil (RAMI), dando ênfase à atuação do médico obstetra sem, todavia, contemplar ações e serviços voltados às crianças e a atuação dos médicos pediatras e a exclusão do profissional enfermeiro obstetriz”.
Atendimento humanizado
A doula Gabriela Carvalho defende que o atendimento entre profissional e paciente seja mais humanizado, cultivando uma relação de confiança e sem hierarquia.
Ela explica que durante o período gestacional e no parto, o atendimento humanizado pode ser implementado ao colocar a mulher como protagonista da sua gestação.
“Entender que aquela mulher é única e aquela gestação também. Temos que olhar essa paciente e o contexto biopsicossocial em que ela está inserida. Fornecer informações baseadas em evidências científicas, deixar essa mulher segura para que ela participe ativamente desse processo e que seus direitos e desejos sejam respeitados. Tudo isso só é possível através da educação na formação e capacitação de profissionais para que estes prestem uma assistência respeitosa e acolhedora às todas as mulheres”, ressalta.
A Secretaria de Saúde do DF informou que os profissionais que atuam nos Centros Obstétricos seguem os Protocolos do Ministério da Saúde que incentivam o parto humanizado e livre de violência obstétrica, tais como a "Diretrizes Nacionais de Assistência ao Parto Normal, "Assistência de Enfermagem Obstétrica: Atuação nos Centros Obstétricos dos Hospitais da Secretaria de Estado de Saúde do Distrito Federal" e "Guia de Enfermagem na Atenção ao Parto e Nascimento".
Racismo estrutural
As mortes maternas que ocorrem no Brasil refletem a lacuna de desigualdade existente entre as mulheres brancas e negras. Em 2020, 56% dos óbitos maternos foram de mulheres com 30 anos e mais. Nesse mesmo período, 65% dos óbitos maternos foram de mulheres negras.
Para Carvalho, as mulheres pobres e negras são as que mais sofrem algum tipo de violência obstétrica e morte materna.
“Ao longo da minha vida profissional presenciei várias situações em que mulheres pobres e negras sofreram mais violência obstétrica, não que mulheres brancas e de classe média não sofram, mas as negras e pobres estão mais sujeitas a isso, pois grande parte das mulheres que são atendidas na rede pública são pobres e negras”.
De acordo com ela, esse resultado é uma consequência “tanto do racismo estrutural quanto institucional” existente no país. “Pelo estereótipo da mulher negra ser forte suas queixas durante as contrações são ignoradas, profissionais completamente desatualizados as tratam com muita truculência, ignoram suas dúvidas e não prestam a assistência necessária. As mulheres pobres por sua vez, me relatam que não recebem o atendimento esperado, informações são omitidas, muita vezes elas se sentem desrespeitadas e invisíveis dentro do consultório”.
Caso Emblemático
Em novembro de 2022, um dos casos mais emblemáticos de mortalidade materna no país completa 20 anos. Alyne Pimentel, uma jovem de 28 anos e grávida de seis meses, foi vítima fatal do racismo estrutural e da violação dos direitos reprodutivos das mulheres negras.
O caso de Alyne Pimentel levou o Brasil a ser responsabilizado por um órgão internacional de direitos humanos em vista de uma morte materna evitável, evidenciando a violação do Brasil aos direitos reprodutivos das mulheres.
O Estado brasileiro foi declarado culpado pelo Comitê da Convenção sobre a Eliminação de Todas as Formas de Discriminação contra a Mulher, o Comitê CEDAW, que em sua decisão emitiu sua decisão reconheceu dois fatos principais no caso: a morte de Alyne foi, sim, uma morte materna e que não haviam sido garantidos a ela serviços adequados relativos à sua gravidez.
Políticas públicas
“Para a redução da mortalidade materna temos que criar ações voltadas para a educação em saúde, tanto educação profissional quanto educação das mulheres para que essas se sintam seguras e informadas para serem as protagonistas do seu parto”, defende Carvalho.
Ela destaca que é fundamental ampliar a abertura de casas ou centros de parto pelo Brasil e incentivar a atuação de doulas, “tanto no SUS quanto nos serviços privados durante a gestação, parto e puerpério”.
O óbito materno é definido como a morte de uma mulher, ocorrida durante ou até 42 dias após a gestação, independentemente da duração ou da localização da gravidez, e desde que seja por causa relacionada com ou agravada pela gravidez ou por medidas ligadas a ela, mas não associada a causas acidentais ou incidentais.
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Edição: Flávia Quirino