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Série | Caminho das águas: Bem natural e público

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Estratégia de privatização do saneamento e controle da água, tem relação siamesa com o setor de energia elétrica
Estratégia de privatização do saneamento e controle da água, tem relação siamesa com o setor de energia elétrica - Reprodução/EBC
Projeto de privatização é destruidor para mais pobres e meio ambiente

Nas lutas populares e resistências, sabemos e repetidamente dizemos que água e todo bem natural não é mercadoria, mas, ao passar dos anos, cada vez mais vemos o capital colocar um selo e os encaixotar para vendas e lucros!

Há pelo menos 30 anos, essa realidade veio avançando e muito rápido para os aquíferos no mundo, com a chamada “globalização mercantil”, e com isso, temos presenciado os capitalistas mundiais girarem seus olhares e mãos para o bem mais supremo à existência humana: a água.

Mas não presenciamos isso em silêncio!

:: Série | Caminho das águas: Cerrado fonte de vida ::

Existe no mundo inteiro, a real preocupação e necessidade de reverter inúmeros processos de privatizações no setor. Vários são os movimentos, ações e projetos de reestatizações/remunicipalizações das empresas públicas nas áreas de saneamento básico e distribuição de água pelo mundo.

E a água foi sendo privatizada

Anos 70: marca as ditaduras e golpes ocorrido em praticamente todos os países da América Latina, materializando as ideologias desenvolvimentistas com o início de grandes obras, como as hidrelétricas, que combinada com as doutrinas de segurança nacionais, trazem aos países as descentralizações dos serviços públicos. No setor da água, o exemplo mais crítico conhecido, temos o que ocorreu no Chile com a ditadura de Augusto Pinochet, inaugurando as forças neoliberais e privatizando 100% dos serviços de água e esgoto no país. Impactando a população até hoje.

Anos 80: endividamentos, crescimento populacional, construções que provocaram impactos ao meio ambiente, como as barragens, fizeram desta década, a necessidade de olhar para os efeitos do clima em nível mundial, trazendo fortemente as discussões sobre uso, gestão e escassez da água e as “quedas de braços” entre setores da energia, meio ambiente e agricultura. A Organização das Nações Unidas – ONU, instituiu como a década da água potável, fazendo uma campanha em favor da responsabilidade e uso da água, objetivando que entre os anos de 1981 e 1990, houvesse o melhoramento nos abastecimentos de água no mundo, chamando atenção também para a poluição e desperdício.

Anos 90: as campanhas anteriores serviram de base para a onda neoliberal e o consenso de Washington, que por recomendação internacional, tiveram abertura para “investir” economicamente nos países subdesenvolvidos, sobretudo os da América Latina com a desculpa de combater as crises e misérias. A falácia da escassez hídrica, junto aos prejuízos oriundos das construções foram se acirrando, com isso, começam as disputas pela água mais fortemente: Essa “guerra” que já está presente nos conflitos, resistências e lutas do nosso povo, como muito bem explorou o caderno da CPT mostrando a crescente luta pelos direitos das populações atingidas desde essa época.


Caderno da CPT em que menciona as primeiras lutas do MAB nacionalmente / Reprodução

Anos atuais: nova onda neoliberal e a saga pelas privatizações no mundo e principalmente no Brasil continua a todo vapor, com as mesmas desculpas e se utilizando do aparato jurídico e midiáticos para encurtar vários caminhos até sua concretização. Sabemos que a escassez existe, mas na maioria das vezes, esse discurso é uma justificativa para mercantilização e militarização das reservas de água, em como o controle das fontes e reservas em mãos estrangeiras.

Privatizações do setor no Brasil

No Brasil, os processos neoliberais e consequentemente as aberturas de portas ao mercado externo para as desestatizações dos serviços no nosso país, tiveram início nos anos 90, com Collor, Itamar e FHC, que nesta época avançaram bastante nas privatizações do setor elétrico, comunicações e outros, mas a água [saneamento básico] eles não tiveram tanto êxito, devido a uma barreira encontrada na titularidade, que desde a “Constituição de 1930 o saneamento brasileiro prevê que o titular do serviço de saneamento é o município”. [Carta Capital].

Em 1985 com a redemocratização, avançou-se para convênios entre municípios e estados, garantindo repasse de verbas federais aos municípios que acolhessem essa parceria estado-município, porém nem todos aderiram, como no caso de Porto Alegre, com a Corsan – Companhia Riograndense de Saneamento, que atualmente está sob forte ameaça de ser privatizada, devendo ocorrer até julho deste ano.

Bom, na época FHC tentou projetos de lei para cassar a titularidade dos municípios, mas diante das lutas dos movimentos sociais, foi barrado. Os governos petistas enfrentaram o sucateamento do setor deixado pelos anteriores, barraram as tentativas de privatização, ampliaram os programas no setor em favor dos serviços públicos, porém com o golpe à presidenta Dilma, o vampiro Michel Temer desengavetou o projeto do FHC e retomou as agendas de privatizações, a partir da MP 868, culminando na aprovação da Lei nº 14.026/2020 que atualiza o marco legal do saneamento básico, permitindo o avanço das privatizações dos serviços.

O projeto é destruidor, tanto para as populações mais pobres, quanto para o meio ambiente e direitos humanos, que dizem: Nem na ditadura, se ousou tanto! Os planos de privatização estão em estágios diferentes em pelo menos 13 Estados e no Distrito Federal. Destes, quatro já realizaram leilões – Alagoas, Espírito Santo, Mato Grosso do Sul e Rio de Janeiro, praticamente na virada do ano de 2021.

8 Elementos principais relacionados as privatizações

1. Brasil é centro desta disputa;

2. Grandes corporações estão na disputa com bancos e fundos de investimentos – aprofundamento da financeirização;

3. Articulação de grandes forças e o estado viabilizando;

4. Estratégia de privatização do saneamento e controle da água, tem relação siamesa com o setor de energia elétrica;

5. As privatizações dos serviços de saneamento básico tendem a ser mais lucrativos que do setor de energia [7 vezes mais];

6. Deixará de herança ao país, dívida em torno dos 700 Bilhões;

7. Rápido retorno financeiro aos investidores, o que no setor da energia demoraria 5 anos, para os serviços relacionados a água, os lucros do investimento seria devolvido em meses e

8. Fortalecimento do discurso ideológico sobre a falsificação das privatizações serem o caminho ao desenvolvimento e não o público.

Para os movimentos sociais continua a certeza de que o caminho da água e saneamento se encontram em continuarmos as lutas e denúncias contra os processos de privatizações dos serviços e a mercantilizações dos recursos naturais.

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*Adriana Dantas é educadora popular, militante do MAB - Movimento dos Atingidos por Barragens, atualmente contribui no Distrito Federal.

**Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato DF.

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Edição: Flávia Quirino