Distrito Federal

Política agrária

MST: Bolsonaro faz propaganda enganosa sobre titulação de terras

Maioria dos documentos emitidos não garante propriedade definitiva da terra, denuncia movimento

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Segundo MST, títulos que estão sendo concedidos pelo governo não assegura propriedade da terra e engana assentados - Gabriel Paiva

A quase totalidade dos cerca de 344 mil títulos concedidos pelo governo federal a assentados da reforma agrária, nos últimos três anos e meio, não tem valor de propriedade e fazem parte de uma política de desmonte da agricultura familiar no Brasil.

É o que denuncia o Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) em nota pública divulgada nesta terça-feira (31). A titulação tem sido alardeada pelo presidente Jair Bolsonaro como uma "carta de alforria" dos assentados, mas, segundo o movimento, ela não garante os direitos prometidos. 

A lei agrária e a Constituição Federal definem dois tipos de titulação definitiva aos beneficiários da reforma agrária. O primeiro é a Concessão de Direito Real de Uso (CDRU), que é um título conjunto que dá direito ao uso da terra, assegura herança aos filhos e herdeiros dos assentados, mas não permite que a terra seja vendida. Gratuito, esse título tem força de escritura pública e pode ser usado para a obtenção de crédito para o desenvolvimento de atividades produtivas.

A segunda possibilidade é o título de domínio (TD), que é um documento privado oneroso, que dá os mesmos direitos da CDRU, mas deve ser pago pelo assentado, ao custo de 10% a 20% do valor da terra nua (sem benfeitorias), e ainda permite a venda do lote após seis meses da concessão.

Títulos precários

"O governo Bolsonaro tem anunciado a entrega de muitos documentos aos assentados, porém, a imensa maioria não são nem CDRU nem TD, mas apenas documentos de ocupação provisória (Contrato de Concessão de Uso - CCU) que apenas reconhece formalmente a condição de assentados que a família exerce. Muita gente tem sido enganada, e só descobre isso quando vai ao cartório de registro de imóveis e não consegue averbar o documento que o Incra [Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária] entrega", diz a nota do MST.

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De acordo com o movimento, citando dados atribuídos ao próprio Incra, cerca de 90% dos supostos títulos concedidos pela autarquia são contratos de concessão de uso, os CCUs, que não são reconhecidos como títulos de propriedade. Os outros 10% seriam títulos de domínio. A titulação por meio da CDRU, que é a defendida pelo MST e pela maioria dos movimentos de luta pela terra, é marginal no país e só foi efetivada em algumas áreas da região Norte, sobretudo no Acre.

"Do ponto de vista de título de propriedade, esse CCU não vale nada", afirma Alexandre Conceição, da direção nacional do MST, durante coletiva de imprensa em Brasília para avaliar a política de reforma agrária do governo.

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"Para titular, é preciso fazer o georreferenciamento, execução de crédito do fomento, a construção de infraestrutura comunitária, produtiva, tudo o que nos garante a Constituição, que é a emancipação do assentado, com seu processo produtivo. Mas nada disso tem sido feito. Todo o orçamento do Incra foi cortado, não tem dinheiro nem pro cafezinho", continua Alexandre.  

Sem recursos

De fato, o orçamento do Incra vem regredindo drasticamente nos últimos anos, especialmente no atual do governo.

Os recursos disponíveis para aquisição de terras, que era de R$ 930 milhões em 2011, passou para apenas R$ 2,4 milhões no orçamento de 2022. Quando se compara com anos anteriores, a queda também é vertiginosa. Em 2015, o orçamento para obtenção de terras foi de R$ 800 milhões, número que despencou nos exercícios seguintes: 2016 (R$ 333 milhões), 2017 (R$ 193,9 milhões), 2018 (R$ 52,3 milhões) e 2019 (R$ 29 milhões).

Em dezembro de 2020, diversas entidades, movimentos sociais e partidos políticos ingressaram com uma Ação Direta de Descumprimento de Preceito Fundamental (ADPF) no Supremo Tribunal Federal (STF) para obrigar o governo a retomar a desapropriação de latifúndios. O processo está sob relatoria do ministro André Mendonça, que ainda não apresentou sua decisão.

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O argumento do Incra é que o orçamento do órgão tem sido usado para pagar desapropriações de anos anteriores que ficaram pendentes. Quando se trata de recursos discricionários, aqueles usados para custeio e para investimentos, o enxugamento também tem sido forte. Tanto que há algumas semanas, o presidente da autarquia, Geraldo Melo Filho, enviou ofício aos superintendentes regionais em que determina a suspensão de todas as atividades de campo, incluindo fiscalização e vistorias, justamente pela falta de recursos para bancar diárias e deslocamentos de servidores.

Eventos para a entrega de títulos provisórios, muitos deles com a participação de Bolsonaro, também tiveram de ser cancelados pela falta de orçamento.   

O Brasil de Fato procurou o Incra para pedir esclarecimentos sobre os tipos de títulos que estão sendo entregues aos assentados, e ainda aguarda uma resposta, que será atualizada à reportagem.

Contrarreforma

Para o MST, a política agrária do governo Bolsonaro é uma contrarreforma. Apesar de não conceder títulos reais de propriedade e enganar os assentados, o movimento diz que o objetivo é fazer com que os assentados titulados possam revender seus lotes a fazendeiros vizinhos, gerando uma reconcentração de propriedade no campo.

Ao todo, existem mais de 9,3 mil assentamentos no país, que abrigam pouco mais de um milhão de famílias. São milhões de hectares que despertam interesse do agronegócio.

"O MST segue defendendo o princípio de que a terra é um patrimônio da humanidade e não deve ser tratada como simples mercadoria", diz Alexandre Conceição. "Reforma agrária é combater o latifúndio, a grande propriedade improdutiva e assegurar o cumprimento da função social da terra em sua dimensão produtiva, ambiental, trabalhista e social, como determina a Constituição Federal", acrescenta.

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Edição: Flávia Quirino