Desafio dos progressistas é descobrir uma forma de vencer os algoritmos e as desinformações
Os dados são recentes. Fazem parte do relatório Digital News Report, elaborado pelo Instituto Reuters para os Estudos do Jornalismo e pela Universidade de Oxford. A pesquisa foi conduzida pela empresa YouGov, por meio de questionários online, em 46 países – Brasil inclusive.
O relatório insiste numa informação que já é tradicional em se tratando de mídia brasileira, e ainda não mudou: a concentração da propriedade dos meios de comunicação. O que o Digital News Report aponta, no entanto, é que se os grandes conglomerados de imprensa tradicional ainda têm propriedade concentrada e dominam os antigos meios impressos e de broadcasting, essa realidade não se reflete nos meios online: os dados levantados por aqui demonstram que as redes sociais fazem cada vez mais parte do cotidiano dos brasileiros – ao contrário da TV e das publicações impressas, que vêm perdendo terreno.
Foram respondidos 2.022 questionários entre os meses de janeiro e fevereiro deste ano. A partir dos dados disponíveis em Internetworldstats.com, que dão conta de que 75% da população brasileira tem acesso à Internet, o Digital News Report apurou quais são as fontes de informação dos brasileiros. Para não perdermos a referência, a população brasileira é estimada em 214 milhões de pessoas. Logo, 75% de usuários de internet equivale a 160,5 milhões de brasileiros com acesso à Internet.
Os meios de comunicação tradicionais, notadamente o impresso, vêm perdendo influência entre os entrevistados: eram 50% de entrevistados que acessavam alguma forma de mídia em papel em 2013, contra 12% agora. Nesse mesmo período, a quantidade de entrevistados que se informavam apenas por redes sociais saltou de 47% em 2013 para 64% em 2022 – o caminho inverso na curva. E espantosos 83% dos entrevistados se informam, hoje em dia, por meios online – o que inclui sites de mídia tradicional mais mídias sociais.
A TV, que em 2013 conquistava a preferência de 75% dos entrevistados como meio de informação, neste ano de 2022 é o meio preferido de apenas 55% - com viés de queda desde 2015. O próprio aparelho de TV teve suas funções alteradas desde o início do século: agora, ele sintoniza menos TVs a cabo e emissoras de TV, e deu lugar ao streaming ou mesmo ao espelhamento dos telefones celulares.
Celular e computador trocam de lugar na preferência brasileira
Os aparelhos celulares vêm diminuindo de preço ano após ano, e incorporando cada vez mais facilidades que ficam acessíveis e facilmente disponíveis ao alcance do dedo, muito mais do que um computador, seja ele portátil ou não.Pesquisa da FGV indica que há mais celulares que pessoas no Brasil (242 milhões de celulares inteligentes em uso no país, contra população estimada em 214 milhões de habitantes).
Em 2013, a relação era de 83% de preferência para o computador contra 23% para os celulares; nove anos depois, essa relação se inverteu: hoje, ela é de 75% para celulares contra 24% para computadores, segundo o levantamento do Instituto Reuters. Quando as linhas se cruzaram e trocaram de lugar? Em 2018. Veja no gráfico.
O Digital News Report também aponta que 46% dos entrevistados compartilham notícias por redes sociais, apps de mensagens ou email, com Whatsapp ganhando a preferência de 41% dos entrevistados, e 9% de preferência para o Telegram. Também se identificou um crescimento considerável no uso de mídias sociais visuais, como Instagram (35%) e TikTok (12%) para consumo de notícia.
E daí?
O relatório do Instituto Reuters está cheio de dados, que devemos transformar em informação e análise. A última década foi testemunha de uma importante mudança de hábito dos brasileiros: se nossos pais e avós tinham seus horários noturnos regulados pela programação da TV (ao chegar em casa, a família trabalhadora jantava assistindo ao Jornal Nacional, e assistiam juntos à novela das oito antes de se deitarem para se prepararem para mais uma jornada de trabalho), hoje estamos íntimos dos aparelhos celulares, que nos acompanham 24 horas por dia – por vezes, não nos deixam dormir. Esses aparelhinhos acabaram se tornando nossos instrumentos de trabalho.
Uns X Vários
Você se lembra de uma propaganda recente de uma certa emissora de TV que anunciava, orgulhosa, que alcançava diariamente “cem milhões de uns?” Pois é, foi suplantada pela Internet. Agora, somos 160,5 milhões de vários nas redes sociais. Acorda, Pedrinho!
O Brasileiro não é mais teleguiado – não pela televisão. Hoje, define suas verdades e realidades a partir do que lê no Whatsapp, ou assiste no Youtube. A inserção de conteúdo nesses ambientes é bem mais democrática do que nos ambientes tradicionais de broadcasting, algoritmos à parte.
O desafio para as forças progressistas é entender a importância de saber como inserir seus conteúdos, suas narrativas, suas histórias de forma relevante nos ambientes de redes sociais. O raciocínio é outro, a dinâmica é outra, a correlação de forças é outra.
As forças progressistas têm o hábito (ora saudável, ora cândido demais) de imaginar os melhores cenários quando vislumbramos uma nova tecnologia digital despontando no horizonte. “A Internet vai democratizar o acesso à comunicação, vai nos tornar mais próximos”, sonhávamos lá atrás. Mas a realidade liberal americana fala mais alto nestes ambientes, e dita os usos e caminhos das novas tecnologias. E eles não são os mais promotores de democratização de informação e união entre os povos – pelo contrário, promovem desinformação, ódio e desunião.
É hora de as forças progressistas se atentarem para esta nova realidade e descobrirem uma forma de vencer os algoritmos e as desinformações. O desafio é entendermos que as trincheiras de luta por democratização de informação são outras, com armas e estratégias diferentes. Outubro está ali na esquina.
Se, no início desta década, costumávamos dizer “aperta o F5” como sinônimo de se atualizar, numa alusão ao comando do nem tão saudoso Internet Explorer para atualização de página web, hoje em dia nem essa gíria faz mais sentido. O tempo de apertar o F5 já ficou pra trás, agora temos que deslizar pra cima!
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*Letícia Montandon é professora da rede pública de ensino do DF e dirigente do Sinpro-DF.
**Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato - DF.
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Edição: Flávia Quirino