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Fila do Cras: mulher morre enquanto aguardava atendimento no Paranoá

Crise no sistema de assistência social do DF segue sem solução

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
fila para atendimento no CRAS é de cerca de 200 mil pessoas no Distrito Federal atualmente - Reprodução/TV Globo

Uma mulher de 44 anos, identificada como Janaína Nunes Araújo, morreu na madrugada desta quarta-feira (17) enquanto aguardava atendimento na fila do Centro de Referência em Assistência Social (Cras) do Paranoá, região administrativa do Distrito Federal. 

Unidade pública de assistência social, o Cras se destina ao atendimento de famílias e indivíduos em situação de vulnerabilidade e risco social. Entre os serviços mais demandados pela população, está a inscrição ou atualização no Cadastro Único (CadÚnico), que é a porta de entrada para o recebimento de benefícios sociais, como Auxílio Brasil, cartão Prato Cheio e outros.

A morte de uma pessoa na fila do Cras é o ápice de uma crise que se arrasta há meses, em que cenas lamentáveis de pessoas esperando a madrugada para serem atendidas se tornaram quase diárias.

A Secretaria de Desenvolvimento Social do DF (Sedes-DF) informou que Janaína chegou a ser levada ao hospital da região, mas não resistiu. A causa da morte ainda não foi informada. 

A morte de Janaína ocorreu apenas 17 dias depois que o governador Ibaneis Rocha afirmou, durante a convenção que aprovou seu nome para concorrer à reeleição, que as pessoas que reclamam da fila do Cras "deveriam agradecer". A fala foi duramente repudiada e ele teve que ir às redes sociais tentar se explicar.

:: "Quem reclama da fila do CRAS tem que agradecer", diz governador do DF em convenção ::

Liderança comunitária no Itapoã, Iza Sousa tem acompanhado o drama das famílias que se aglomeram no Cras da cidade ao longo das madrugadas esperando atendimento. Ela ajudou a distribuir comida e cobertores nas frias noites que fizeram entre junho e julho na capital do país. 

"No dia que vi o vídeo do governador falando que a população tinha que agradecer pela fila no Cras, tive que contar até 10 e respirar fundo. Eu fiquei muito triste com a posição do governador, não sei o que ele tem na cabeça", afirmou.

Um vídeo que circula em grupos de mensagem mostra uma fila no Cras do Itapoã em que uma mulher grávida está deitada na calçada passando mal. Outro caso e uma mulher grávida que entrou em trabalho de parto na fila do Cras na Ceilândia também foi registrado em junho.

A Sedes também identificou suspeitas de venda de senhas nas filas do Cras no Itapoã, ainda no mês passado, e enviou ofício às forças policiais para pedir apuração sobre o caso. "A pasta enfatiza que qualquer denúncia pode e deve ser feita via Ouvidoria pelo telefone 162 ou pelo ouv.df.gov.br", informou em nota. 

Sucateamento e abandono

O Sindicato dos Servidores da Assistência Social e Cultural do Governo do Distrito Federal (Sindsasc) aponta o sucateamento da estrutura do setor como o principal entrave para o atendimento à população.

"O Sindicato já pediu várias vezes pra voltar o agendamento tendo em vista a situação de risco que as pessoas estão sendo expostas", afirmou Natalícia Santana, diretora da entidade. Ela também diz que nem todos os aprovados no concurso mais recente da Sedes foram nomeados. "O governo não nomeou todos os aprovados no último concurso por opção, mesmo sabendo da demanda". 

Na semana passada, a primeira-dama do Distrito Federal, Mayara Noronha, anunciou seu afastamento como secretária de Desenvolvimento Social para se dedicar à campanha de Ibaneis Rocha. A esposa do governador ficou mais de dois anos à frente da pasta, apesar de não ter experiência na área de assistência social. Em seu lugar, o governador nomeou Ana Paula Marra, que era a então secretária adjunta da pasta. 

Outro lado

Em nota, a pasta comentou sobre a morte de Janaína Nunes e destacou as medidas adotadas para enfrentar o problema das filas, até o momento sem solução. Veja a íntegra da manifestação: 

NOTA À IMPRENSA

"Sobre a morte da senhora Janaína Nunes Araújo, 44 anos, esclarecemos que:

1) Ela sentiu-se mal nas proximidades do CRAS Paranoá por volta das 20h, segundo relatos de pessoas próximas, mas não procurou atendimento médico;

2) Às 4h18, há registro de um chamado telefônico realizado ao SAMU, mas aos 41 segundos de atendimento, a ligação foi interrompida pelo solicitante. Registra-se que o médico regulador sequer teve oportunidade de ser informado do quadro da paciente;

3) Às 4h26, a senhora Janaína deu entrada no Hospital Regional do Paranoá e foi atendida prontamente. Ela apresentava cianose de face (rosto roxo), corpo rígido e pupilas medio fixas. Na emergência, os profissionais utilizaram técnicas de ressuscitação cardiopulmonar (RCP) conforme determinam os protocolos.

4) Às 5h, após várias tentativas, foi declarado óbito da paciente.

5) Foi solicitada necropsia do corpo para identificar a causa da morte.​

Em relação às pessoas que buscam por atendimento nas diversas unidades da Sedes, a pasta destaca que promove constantes alinhamentos com as forças de segurança para atuação nesses locais. Além disso, a orientação para qualquer intercorrência percebida pelo cidadão é que acione o CORPO DE BOMBEIROS MILITAR, o SAMU ou a POLÍCIA MILITAR, respectivamente, pelos telefones 193, 192 e 190.

A distribuição de senhas varia de acordo com a capacidade de atendimento diária de cada unidade. No caso do CRAS PARANOÁ, ontem foram 108 atendimentos considerando demanda espontânea, pessoas agendadas e atendimento com algum especialista. Além dessa atuação na unidade, foi inaugurado mais um posto de atendimento na região, com o objetivo de aumentar o número de atendimentos.

Em relação à redução da demanda e da espera por atendimento, a Secretaria de Desenvolvimento Social informa que vem promovendo seguidas ações para viabilizar cada vez mais o atendimento ao cidadão, das quais

1 - Reestruturação do quadro de pessoal, com mais de mil nomeações de novos servidores da carreira de assistência social;

2 - Ampliação da carga horária dos servidores de 30 para 40 horas. Com isso, a média de atendimento mensal dos 29 Cras sobe de 30 para 42 mil;

3 - Depois de 10 anos sem inauguração, abrimos 4 unidades nesta gestão: 2 CRAS (Sol Nascente e Recanto das Emas), reabertura do CRAS Samambaia Expansão e um CREAS em São Sebastião;

4 - Equipe móvel para as regiões com maior índice de vulnerabilidade social. Só esta equipe faz uma média mensal de 2,5 mil atendimentos;

5 – Parceria com uma organização da sociedade civil colocando mais 14 pontos de atendimento de cadastro único. As unidades do Paranoá, Estrutural e Santa Maria começaram a funcionar no dia 11 deste mês (quinta-feira). Nesta semana, começaram a operação no Gama e em Planaltina e os demais gradualmente no decorrer de agosto.

6 – Convênio com o Corpo de Bombeiros para realizar mutirões aos sábados para preenchimento e atualização do Cadastro Único nos CRAS, iniciado na semana retrasada;

7 – Atuação conjunta com a EMATER, com foco no atendimento das famílias residentes na zona rural do Distrito Federal;

8 - Atendimento da SEDES nas 7 unidades do NA HORA, sendo que antes não tinha.

O atendimento era feito em 26 CRAS. Com essas medidas teremos 50 pontos de atendimentos socioassistenciais no DF."

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Edição: Flávia Quirino