As novas formas de dominação não apagaram completamente as velhas estruturas
O Brasil está cansado. O mundo está cansado. As novas formas de dominação abraçam a comunicação ilimitada para esgotar o trabalhador fora do horário comercial. A noção do dever é coberta por uma ilusão de poder: se você pode, por que não o faz?
Num autoesforço exagerado de desempenho, a ação heróica faria milagres para o povo que sustenta o topo da pirâmide. Por isso a depressão, a ansiedade, o burnout são marcas da sociedade do cansaço. Humanos adoecem, pois não são máquinas.
Em seu best-seller "Sociedade do Cansaço", Byung-Chul Han traz muitas reflexões interessantes sobre os tempos atuais. Mas na sua crítica ao regime neoliberal, o filósofo sul coreano radicado na Alemanha ignora a questão de classes. O autor fala de "autoexploração sem classes, sem um senhor (...) sem exploração alheia", onde quem fracassa, considera a si mesmo como responsável.
A autoexploração existe sim como novo mecanismo psicopolítico, mas as classes ainda existem. Os acionistas da Uber ocupam espaços na sociedade bem diferentes dos motoristas. A ilusão neoliberal do trabalhador empresário de si mesmo é uma cortina de fumaça. O meio de produção é o aplicativo, apesar de "imaterial"; os carros e motoristas podem ser substituídos na lógica do negócio.
Então sim Byung, ainda existem classes, patrões e trabalhadores. As novas formas de dominação não apagaram completamente as velhas estruturas.
O discurso neoliberal provoca novas coerções internas nos trabalhadores, o que num mundo civilizado seria assédio moral. O fundador da XP, Guilherme Benchimol, falou publicamente esses dias que "Temos muitas mazelas no Brasil, mas não podemos ser vitimistas. Temos que ser excelentes". Excelentes herdeiros da elite do atraso. Em geral, quando surge a palavra "vitimismo" já sabemos o que vem pela frente.
Mas a positividade tóxica das elites não é exclusiva do século 21. Ela também não aboliu a negatividade moderna a que Byung se refere quando fala das coerções "tradicionais" pela violência. Ela reage às mudanças. No Brasil, chegou ao Palácio do Planalto.
As novas técnicas de poder, que Byung chama de psicopolíticas, convivem com as velhas. Com a negatividade coerciva do medo, da ameaça, da violência. A coerção neoliberal quase invisível caminha lado a lado com a repressão do fascismo tupiniquim pelas novas possibilidades de precarização do trabalho.
Viver no Brasil não é fácil Byung. Não é para amadores.
:: Leia outros textos deste colunista ::
*Diego Ruas é escritor, designer e engenheiro florestal.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do Brasil de Fato.
:: Clique aqui para receber notícias do Brasil de Fato DF no seu Whatsapp ::
Edição: Flávia Quirino