O preconceito é um dos mais perversos desafios a serem eliminados. Mas não é somente isso.
Após 17 anos da sanção da Lei nº 11.133/2005, que estabeleceu o 21 de setembro como o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência, o Brasil e, principalmente, a rede pública de ensino do Distrito Federal, ainda enfrentam barreiras colonialistas e preconceituosas que têm impedido a inclusão global das Pessoas com Deficiência (PCDs).
A data foi instituída para a conscientização sobre a importância do desenvolvimento e da aplicação de meios de inclusão das pessoas com deficiência na sociedade. A Secretaria de Estado de Educação do Distrito Federal (SEE-DF) foi diligente, adotou a lei de imediato, e instituiu reserva de vagas para profissionais PCDs nos concursos para professor e orientador educacional. Parecia estar atenta e cuidadosa na aplicação da lei.
No entanto, chegamos a 2022 com sérios problemas que impedem a total inclusão dos(as) profissionais de educação nas unidades da SEE-DF, que, sobretudo nas salas de aula, interferem nas condições de trabalho do(a) professor(a) e do orientador(a) educacional PCDs.
Além da manutenção da reserva de vagas nas seleções e da realização de mais concursos públicos para a rede pública de ensino com essa prerrogativa, a Secretaria precisa ultrapassar os limites do preconceito e vencer os velhos e conhecidos empecilhos que vetam a inclusão dos PCDs, principalmente as barreiras atitudinais, comunicacionais e, por incrível que pareça, ainda, as limitações arquitetônicas.
Consideramos que o Dia Nacional de Luta da Pessoa com Deficiência é um dos momentos mais apropriados para a gente relatar e apontar os problemas, sugerir soluções e cobrar políticas de inclusão.
Daí que, neste 21 de setembro de 2022, notadamente, consideramos a data mais um momento especial para a gente mostrar que não basta a reserva de vagas nos concursos para profissionais PCDs, a SEE deve investir o dinheiro público em inclusão educacional e em inclusão global desses profissionais.
Os desafios são imensos porque, sobretudo nos últimos cinco anos, o Brasil foi tomado, após o golpe de Estado de 2016, pelas políticas econômicas neoliberais, que instituíram um Teto de Gastos por 20 anos no Orçamento público, cujo único objetivo é entregar dinheiro público ao sistema financeiro, alguns grandes empresários e alguns rentistas.
Para realizar essa transferência de dinheiro público a banqueiros e rentistas, usam um mecanismo denominado dívida pública. Uma dívida que, embora esteja prevista sua auditoria na Constituição, nunca foi auditada. Todas as políticas públicas sociais de responsabilidade do Estado nacional democrático e de bem-estar social foram prejudicadas pela Emenda Constitucional 95/2016, do governo Michel Temer (MDB), e esse prejuízo foi aprofundado no governo Jair Bolsonaro (PL). A inclusão de PCDs, como todas as outras relacionadas à inclusão social, é uma das prejudicadas.
A imposição da EC 95 prejudicou visceralmente o investimento de dinheiro público na educação e, consequentemente, na inclusão educacional e social. Os governos estaduais que aderiram ao projeto de governo de Bolsonaro, que aprofundou os problemas trazidos pelo golpe de Estado de 2016, não investiram na eliminação dessas velhas barreiras impeditivas que prevalecem até hoje na escola. Uma das principais é a falta de investimento em campanhas e outras ações de conscientização das pessoas, o que favorece a persistência das barreiras atitudinais.
O preconceito é um dos mais perversos desafios a serem eliminados. Mas não é somente isso.
Na rede pública de ensino, enfrentamos outros obstáculos, como os arquitetônicos, tecnológicos, comunicacionais, que pioram, todo dia, a vida dos(as) profissionais PCDs. Com essas barreiras, eles e elas têm sua participação limitada no mundo do trabalho, na sociedade, e, principalmente, na SEE-DF. Se veem prejudicados na execução do magistério.
Por isso insistimos que não basta reserva de vagas nos concursos, é preciso eliminar os entraves que ainda existem na escola. Precisamos, urgentemente, de políticas globais de inclusão.
Visão capacitista: a negação da acessibilidade
Dentro desse lugar de fala da Pessoa com Deficiência, temos desafios estruturais a serem vencidos, fundamentais para a transformação de uma sociedade preconceituosa e excludente em uma sociedade mais imparcial, isenta, inclusiva e, consequentemente, mais justa. Um deles é a eliminação da visão capacitista que existe na SEE-DF.
O capacitismo é um tipo de preconceito em relação à pessoa com deficiência, a sua capacidade e habilidade. Sabemos que todas as PCDs, assim como as pessoas que não têm deficiência, são plenamente capazes.
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O capacitismo gera bloqueios sociais invisíveis e, por serem quase que imperceptíveis por estarem diluídos nas chamadas barreiras atitudinais, precisam ser identificados e eliminados porque o problema não está na pessoa com deficiência, como é colocado pelo entendimento capacitista de que as pessoas com deficiência não são capazes. Elas são capazes sim desde que os obstáculos sejam derrubados. O problema, portanto, está na sociedade capacitista que coloca empecilhos às PCDs.
As barreiras ocorrem quando a acessibilidade é negada, quando as adaptações para o(a) professor(a) com deficiência são negadas. Sem essas adaptações, o(a) professor(a) não poderá ser incluso(a).
Assim como existem estudantes com deficiência na rede pública de ensino, que precisam de adaptações para serem inclusos, os(as) professores(as) com deficiência também precisam de adaptações para que possam exercer suas funções e serem inclusos(as) no trabalho.
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Não podemos, simplesmente, reconhecer que temos servidores(as) com deficiência na rede e não oferecermos condições para que eles(as) executem o seu trabalho com as barreiras que temos ainda hoje . É preciso atacar esse tipo de problema dentro da SEE-DF e das suas unidades escolares porque impedem os(as) profissionais PCDs de executarem sua profissão e de desempenharem o magistério com condições dignas de trabalho.
Daí que o primeiro passo é a SEE-DF reconhecer que não apenas existem servidores(as) com deficiência, mas que, também, esses(as) servidores(as) com deficiência, assim como os(as) estudantes com deficiência, necessitam de ambientes acessíveis.
Precisamos de adaptações de acessibilidade que extrapolem a solução arquitetônica. Estamos falando de adaptações de acessibilidade num sentido amplo porque cada pessoa com deficiência é única. Muitas vezes fazemos adaptações para uns que podem não ser suficientes para outros.
Assim, a superação das barreiras vai muito além da adaptação da arquitetura. Precisamos construir outras adaptações, como, por exemplo, as comunicacionais. Precisamos de intérpretes de libras. Por incrível que pareça, faltam intérpretes de libras na rede.
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Além disso, falta a adaptação da linguagem para uma linguagem mais simples. Há servidores(as) com deficiência intelectual que necessitam de uma comunicação de linguagem simples. Precisamos, por exemplo, de profissionais para fazer o papel de suporte. Temos necessidade de adaptação até de um suporte maior para esse(a) servidor(a) com deficiência, assim como temos profissionais que auxiliam nossos(as) estudantes, como monitores(as).
Muitas vezes, nossos(as) professores(as) com deficiência precisam de um(a) profissional que os(as) auxilie nas demandas diárias, uma pessoa a seu lado para coadjuvar, para ser um(a) assistente técnico(a). Temos diversas formas de adaptação.
Qual o melhor jeito de a SEE-DF compreender a necessidade dessas adaptações?
A melhor forma é justamente ouvir os(as) servidores(as) com deficiência porque somente esse(a) servidor(a), com sua deficiência, poderá dizer qual a adaptação necessária.
Neste 21 de setembro, alertamos para a necessidade do fortalecimento da luta da Pessoa com Deficiência dentro da SEE-DF, da inclusão global e da melhoria das condições de trabalho desses(as) profissionais.
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*Carlos Maciel, professor da rede pública de ensino do Distrito Federal e diretor do Sinpro-DF.
**Este é um artigo de opinião. A visão do autor não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato - DF.
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Edição: Flávia Quirino