Coube aos catadores mudar, se modernizar, se adaptar aos “novos tempos”, mas nós não mudamos
Doze anos de vigência da Lei 12.305/2010, que institui a Política Nacional de Resíduos Sólidos (PNRS) no Brasil e seguimos como o quarto maior produtor de lixo do mundo. Mesmo com os avanços na área, ainda não conseguimos responder a uma pergunta básica: para onde vai tudo aquilo que “jogamos fora”? Na discussão sobre os resíduos não existe “fora”. Tudo aquilo que descartamos contamina o solo, a água e o ar.
De acordo com o Panorama dos Resíduos Sólidos no Brasil de 2021, em todo o território nacional produzimos, aproximadamente, 82,5 milhões de toneladas de resíduos por ano, ou 225.965 toneladas diárias.
O Centro-Oeste é a segunda região em número de geração de resíduos no Brasil, com 1,022 kg por habitante dia. No Distrito Federal (DF), de acordo com dados do Serviço de Limpeza Urbano (SLU), no primeiro trimestre foram coletadas cerca de 182 mil toneladas. Desse número, cerca de oito toneladas foram coletadas dentro do programa de coleta seletiva.
Esses números expressam a parcela daquilo que é destinado de maneira correta, mas o que é feito com isso?
No DF, após o fechamento do 2º maior lixão à céu aberto do mundo e o maior da América Latina, em 2018, na Cidade Estrutural, a população de mais de quatro mil catadoras e catadores de material reciclável sofreu os impactos da transição. Nem todas as famílias foram incluídas nas políticas e muitas perderam renda e local de trabalho, passando a ocupar/catar nas ruas.
Com a abertura do Aterro Sanitário de Samambaia e a alocação das cooperativas de catadores em galpões próprios e alugados, a parcela mais organizada da categoria precisou resistir e se adaptar à uma nova dinâmica que, por um lado, ganhava em qualidade e segurança do trabalho, mas por outro, precisou aprender a lidar com máquinas, fluxos, ordens, prestação de contas, leis, regras e ainda assim, ver sua renda diminuir bruscamente. O material que chega nos galpões de triagem é imensamente menor em volume e em qualidade em relação ao que acontecia no lixão.
O que tem sustentado esses grupos não é o heroísmo de salvar o planeta, como alguns românticos enxergam a categoria, mas sim a possibilidade de ser contratado pelo GDF para coletar e triar o material e, dessa forma, completar a renda ao fim do mês.
No primeiro trimestre desse ano, as cooperativas coletaram e recuperaram 6.258,27 toneladas e receberam cerca de R$ 2 milhões pelo serviço prestado. O valor, que a princípio parece muito, não é. Esse recurso é dividido entre 23 organizações em 30 contratos de coleta e triagem, quase nada quando comparado aos cerca de R$ 30 milhões pagos no mesmo trimestre a três empresas privadas para, somente, coletarem resíduos e não recuperarem absolutamente nada.
Apesar da importância da pauta, pouco se discute. Nos planos de campanha dos três principais candidatos ao governo do Distrito Federal, faltam propostas mais consolidadas para manter e ampliar o sistema de coleta garantindo que a inclusão da categoria seja um direito consolidado e não uma política de governo. Em quase todos os planos também se percebe a ausência de campanhas educativas.
Uma parcela muito pequena, cerca de 3%, é o que de fato tem sido possível recuperar de tudo que descartamos e a ampliação desse número depende de mais orientações para a população. Sem educação ambiental e sem mobilização, não é possível otimizar o trabalho, melhorar a renda e dignificar o setor.
Nos últimos anos, coube aos catadores mudar, se modernizar, se adaptar aos “novos tempos”, mas nós não mudamos. A maioria de nós segue comprando sem ao menos pensar nos impactos. Se há algo que podemos aprender com resíduos e com os catadores é que o sistema linear de produção e consumo é falho e não tem capacidade de responder à nova dinâmica planetária.
A solução é complexa, interligada e exige adaptações de todos. Os catadores estão fazendo a parte deles: lutando para manter suas organizações mais modernas e resistindo no campo da Economia Popular e Solidária frente a crescente onda de terceirização do setor.
Já o nosso papel, enquanto consumidores, é muito mais simples e possível. Está em nossas mãos a decisão de onde e o que consumir, assim como em quais propostas votar.
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* Adriana Alves é pedagoga e assistente de direção do Instituto de Estudos Socioeconômicos – Inesc.
** Dyarley Viana é ex catadora da Estrutural, pedagoga e assessora técnica do Instituto de Estudos Socioeconômicos – Inesc.
*** Este é um artigo de opinião. A visão das autoras não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato - DF.
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Edição: Flávia Quirino