Impuseram o medo ao povo brasileiro, que assim como a crise da educação no país, também é um projeto
Nesse 26 de outubro, completaram-se 100 anos do nascimento de Darcy Ribeiro. Entre suas muitas facetas, o antropólogo defendeu como poucos a educação pública e gratuita, e um Brasil sem desigualdade social, sem a “indiferença diante do sofrimento do povo”.
Para ele, essa era a principal pauta da vida. Foi por defender esse Brasil, pavimentado, sobretudo, na educação, que precisou se exilar, em 1964, durante a ditadura militar.
Dois anos antes de morrer vítima de um câncer, lançou, em 1995, “O Povo Brasileiro – A Formação e o Sentido do Brasil”, que viria a ser seu último livro. Na obra, escrita ao longo de 30 anos, Darcy questiona: “por que o Brasil não deu certo?”, e discorre sobre isso a partir do conhecimento teórico e da vivência política.
“O Brasil foi regido primeiro como uma feitoria escravista, exoticamente tropical, habitada por índios nativos e negros importados. Depois, como um consulado, em que um povo sublusitano, mestiçado de sangues afros e índios, vivia o destino de um proletariado externo dentro de uma possessão estrangeira. Os interesses e as aspirações do seu povo jamais foram levados em conta, porque só se tinha atenção e zelo no atendimento dos requisitos de prosperidade da feitoria exportadora. O que se estimulava era o aliciamento de mais índios trazidos dos matos ou a importação de mais negros trazidos da África, para aumentar a força de trabalho, que era a fonte de produção dos lucros da metrópole. Nunca houve aqui um conceito de povo, englobando todos os trabalhadores e atribuindo‐lhes direitos. Nem mesmo o direito elementar de trabalhar para nutrir‐se, vestir‐se e morar”, afirma Darcy Ribeiro em “O Povo Brasileiro”.
Hoje, o Brasil narrado pelo sociólogo, antropólogo, escritor, romancista, político, estadista e visionário, asfixiado pela extrema direita, retoma com força total a rejeição e a negação do seu povo, tentando eliminar seus comportamentos culturais, seus pensamentos críticos e sua vontade-necessidade de ser caracterizado como povo brasileiro.
A estratégia de tornar brasileiros e brasileiras um subproduto da vontade da minoria dominadora se apresenta hoje em percentuais de obscenidade social inimagináveis para um país que tinha saído do mapa da fome, vinha gerando emprego e renda, colocando jovens negros nas universidades, exportando tecnologia e orgulho. São 33 milhões de pessoas com fome, mais de 10 milhões de desempregados, uma multidão de trabalhadores precarizados e ao menos 400 mil mortos que poderiam estar vivos se a chegada da vacina contra a Covid-19 ao Brasil não tivesse sido negada pelo próprio presidente da República.
Impuseram o medo ao povo brasileiro, que assim como a crise da educação no país, também é um projeto para que o futuro não seja sonhado, para que a luta por esse futuro não seja feita.
O desafio do Brasil foi apontado por Darcy Ribeiro como sendo o de reconhecer, lutar e respeitar a diversidade e a singularidade do seu povo para que se possa construir uma nação mais desenvolvida, humana, justa, inclusiva, orgulhosa de si mesmo. E continua sendo. Uma exigência que torna imprescindível a defesa e a aplicação de uma educação pública gratuita que tenha como objetivo a formação do pensamento crítico.
No próximo domingo, 30 de outubro, depois de quatro anos da extrema direita ter ocupado a principal cadeira do Executivo no Brasil, tem-se a oportunidade de transgredir o presente. Há dois projetos distintos em jogo. Qual deles Darcy Ribeiro escolheria?
"Termino esta minha vida já exausto de viver, mas querendo mais vida, mais amor, mais saber, mais travessuras”, Darcy Ribeiro.
*Berenice Darc é professora da rede pública de ensino do DF e dirigente do Sinpro-DF.
**Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato - DF.
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Edição: Flávia Quirino