Nos últimos anos é inegável que você não tenha ouvido alguém falando sobre intervenção militar, ou sobre alguma forma antidemocrática de resolver qualquer problema ou embate político.
Soluções golpistas, fora de lei, trapaceiras, duvidosas, autoritárias e antidemocráticas sempre estiveram presentes em nossa história. Em um ano eleitoral não seria diferente. Levando em conta o contexto dessa eleição e as atitudes do atual governo, era fato que apoiadores do futuro ex-presidente Jair Bolsonaro, após sua derrota nas urnas, iriam propor alguma afronta à nossa Constituição.
Nas esvaziadas manifestações dos últimos dias, bolsonaristas pediam desde a anulação de um pleito eleitoral seguro a uma intervenção das forças armadas, tentando barrar a posse de um candidato democraticamente eleito. Mesmo em algumas situações cômicas como o cidadão pendurado em um caminhão por quilômetros e a falsa prisão do ministro da Suprema Corte Alexandre de Moraes, comemorado em um dos atos nas rodovias, ou até mesmo a oração em frente a um pneu, é necessário que estejamos atentos a esses movimentos. Tendo em vista que não são puramente orgânicos, contam com financiadores.
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Em vários momentos de nossa história, soluções trapaceiras foram defendidas por uma parcela de cidadãos. Em alguns momentos, eram a maioria. Passeando pela história brasileira, podemos citar alguns exemplos de rompimento com a Constituição.
Antes da República, período que Dom Pedro se tornaria Imperador do Brasil no auge de seus treze ou catorze anos, o Golpe da Maioridade, quando liberais estimularam a opinião pública a aceitar a figura do novo imperador como conciliador em um país dividido por ideias republicanas e monárquicas, e ainda, cheio de revoltas, apressou sua chegada ao poder. Anos mais tarde, um golpe das oligarquias rurais e militares nos transformaria em República. A insatisfação da elite econômica brasileira com os vários problemas nas últimas décadas da monarquia, inclusive a Abolição da Escravidão, transformava-se em outra oportunidade de ruptura com as leis que regiam nosso país. Não raras vezes alegou-se “proteger” a incipiente República violando a própria Constituição.
Agora republicano, o Brasil ainda passaria por mais golpes em sua história.
O Estado Novo de Getúlio de 1937 a 1945, bastante influenciado por ideias nacionalistas e populistas, foi outro exemplo de ruptura com as leis do país. Independente de seus feitos como presidente, Getúlio desrespeitou a Constituição, censurou críticos e perseguiu adversários. Uma parcela de nossa sociedade, ainda assim, o apoiava cegamente. Pedindo que, mesmo fora da lei, Vargas tivesse possibilidade de reeleição, algo proibido pela Constituição. O que fazia a população apoiá-lo? A propaganda anticomunista e nacionalista.
De 31 de março para 1º de abril de 1964, forças militares conservadoras, políticos opositores e civis, principalmente das classes média e alta derrubaram João Goulart da presidência do Brasil. Era a “revolução de 64”, que por romper com a ordem institucional, é mais caracterizado como um golpe de Estado. Inquestionavelmente o mais longo colapso democrático sofrido pelo Brasil. Durou vinte e um longos anos. Curiosamente, após manifestações em defesa da família, da pátria e da liberdade, a população clamava novamente por uma solução fora da lei.
Outro momento marcante de nossa história foi o impeachment da ex-presidenta Dilma Rousseff, em 2016. O clamor popular e a falta de apoio político foram os motivos de sua cassação, tendo em vista que o ministro do Supremo Tribunal Federal Luís Roberto Barroso, em seu artigo para a revista do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (Cebri) afirmou: "A justificativa formal foram as denominadas 'pedaladas fiscais' – violação de normas orçamentárias —, embora o motivo real tenha sido a perda de sustentação política". A falta de apoio político não era motivo para afastá-la da Presidência da República. A votação que aceitou o processo de impeachment deixou evidente a motivação desse processo.
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Em todos os momentos, a solução golpista nunca trouxe resultados positivos.
Voltando ao passado, a relativa estabilidade do reinado de Dom Pedro II não sustentou a família no poder: anos mais tarde, seriam expulsos do país. Getúlio, depois do período ditatorial, até viria a ser reeleito em 1950, mas seu governo sofreria com as graves tensões políticas e econômicas, uma oposição implacável, tentativa de impeachment e rompimento com o vice. Vários acontecimentos que o levaram ao suicídio.
A ditadura militar, anos mais tarde, também não foi efetiva em seus objetivos. Basta olhar para os indicadores econômicos do país nos últimos anos de governo militar, e, que durou por muitas décadas. O milagre econômico do regime militar não alcançaria a população mais pobre, maioria do país, tornando o aumento da desigualdade social e o empobrecimento da população uma das marcas do governo militar. Por último, após o golpe em Dilma, quando o vice Michel Temer adotou uma série de medidas antipopulares que beneficiavam as classes mais altas e que tinha apoio de setores importantes da nossa sociedade. Entre seus atos, o “Teto de Gastos”, a Reforma do Ensino Médio, a Reforma Trabalhista e programas de privatizações, oposto da política definida pela sua chapa na eleição.
Nunca as soluções golpistas lograram êxito para tornar o Brasil economicamente mais desenvolvido, socialmente mais justo e mundialmente mais soberano.
Mesmo que seja uma minoria, toda atenção a discursos golpistas é importante em um país onde essa prática é comum na história. As Forças Armadas estão a serviço do Estado e não a um determinado governo ou pensamento. É vexatório ver manifestações em portas de quartéis pedindo uma intervenção dos militares. Legalmente, eles não têm esse papel.
“Um povo que não conhece sua história, está fadado a repeti-la”. Talvez, o que estamos vivenciando seja o maior desafio desde a redemocratização: combater manifestações antidemocráticas contra um governo que ainda nem começou e recém foi escolhido pelo povo por meio legítimo previsto em Lei: a eleição.
A livre manifestação é um direito de todos, mas a democracia que garante essa liberdade não pode ser ameaçada, seja por meia dúzia de lunáticos pedindo intervenção ou por um chefe de Estado ou setores econômicos que os estimulam. Um dos pactos mais sagrados de nossa democracia é o respeito às urnas e a vontade soberana da maioria.
Ao que parece, todas as instituições estão realmente comprometidas em aceitá-lo, evitando repetir os episódios negativos da nossa História e criando condições para vencermos, num espaço menor de tempo, os retrocessos dos últimos atos golpistas – o impeachment de Dilma Rousseff, o lawfare contra o presidente Lula e as eleições de 2018 decididas por enxurradas de fake news – também enfrentadas e – felizmente – vencidas na atual, mas que, ainda, sustentam os atos golpistas.
*Ricardo Jataum é professor de História do Ensino Básico e fotógrafo.
**Este é um artigo de opinião. A visão das autoras não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato - DF.
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Edição: Flávia Quirino