A poucos dias do feriado de Natal, a ocupação da Casa de Referência Ieda Santos Delgado sofreu um novo despejo, ordenado pela Administração Regional do Guará, no Distrito Federal, na manhã desta quarta-feira (21). O imóvel foi ocupado há cerca de dois meses pelo movimento de mulheres Olga Benário, que transformou o lugar em um espaço de acolhimento e apoio para mulheres em situação de violência doméstica, interrompendo um abandono de mais de 10 anos da área, que é pública e pertence do Governo do DF.
A operação de desocupação mobilizou um grande contingente de agentes públicos e forças de segurança. O grupo que estava dentro da casa não ofereceu resistência e deixou o local levando roupas, pertences pessoais e alguns alimentos. Camas, colchões, travesseiros, eletrodomésticos e outros itens da casa foram colocados em um caminhão e levados pela administração.
"Ignorando a recomendação de reunião conciliatória do Ministério Público, da Defensoria Pública e do TJDFT [Tribunal de Justiça de Distrito Federal e Territórios], a Administração do Guará se apressou em nos desocupar e jogar tudo da casa na caçamba de um caminhão aberto na chuva", protestou o movimento em uma postagem nas redes sociais.
A ordem de despejo foi amparada em uma liminar concedida pelo desembargador João Luís Fischer Dias, do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e Territórios (TJDFT), que revogou uma decisão anterior que reconhecia o interesse social na ocupação e mantinha o coletivo no imóvel.
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"Esse novo ataque vem sustentado na mentira de que o imóvel estar sob risco de desabamento, mas ignoram os laudos e equipes de engenheiros e arquitetos que demonstram que a estrutura não sofre nenhum risco", criticou o coletivo de mulheres Olga Benário, em nota. O grupo ainda lembrou que a ocupação vem prestando um relevante serviço de amparo a mulheres que não encontram assistência nas atuais políticas públicas oferecidas pelo espaço, e que a desocupação agride ainda mais o direito dessas vítimas de violência doméstica.
"As mulheres estão lutando contra a violência e pelo direito constitucional à vida. No Brasil, ocorrem cinco espancamentos a cada dois minutos, um estupro a cada 11 minutos e um feminicídio a cada 90 minutos. Somente em 2019, 1.326 mulheres foram assassinadas pelo fato de serem mulheres. O Governo do Distrito Federal, mais uma vez, se coloca contra o direito das mulheres, as submetendo a situações de risco ao não oferecer solução para essas mulheres na véspera do Natal", afirmou o coletivo de mulheres, em nota.
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O coletivo também lembrou que que o próprio GDF, que reivindica o poder de polícia sobre invasões de particulares em áreas públicas, não atua no caso de ocupações privadas em áreas nobres do DF, que são amplamente conhecidas na capital do país.
"Enquanto ocupações privadas em áreas nobres acontecem e o GDF não faz nada, as ocupações para retirar mulheres organizadas em prol do combate à violência acontecem de forma rápida".
A Administração Regional do Guará informou que a casa atualmente é objeto de parceria público-privada para a instalação do novo Centro de Convivência do Idoso (CCI), em fase de licitação. O órgão, no entanto, não informou quando esse novo equipamento público será disponibilizado e, agora, se for retomado, o imóvel deverá ser fechado por tempo indeterminado, sujeito à degradação que vinha consumindo a área há décadas até a revitalização promovida pelo coletivo de mulheres.
Sobre a ordem de despejo, o órgão informou que "apresentou em sua notificação o pedido para que apresentem o nome das mulheres atendidas [pela Casa Ieda] e o governo possa encaminhar, juntamente com a Secretaria da Mulher, as vítimas de violência doméstica aos órgãos especializados e competentes".
Saiba mais
A ocupação era a 13ª do Movimento Olga Benário no país, sendo a primeira no Centro-Oeste, foi batizada de Casa Ieda Santos Delgado, em homenagem à militante da Ação Libertadora Nacional (ALN) durante a ditadura militar, estudante que se formou em ciências jurídicas e sociais pela Universidade de Brasília (UnB), em 1969. Devido à sua atuação política, que se iniciou ainda no movimento estudantil, foi presa pelo regime em abril de 1974, quando desapareceu. A Comissão Nacional da Verdade concluiu que Ieda foi torturada, morta e enterrada pelos militares.
Segundo as organizadoras da ocupação, o espaço surgiu no vácuo de assistência deixado pelo fechamento da Casa da Mulher Brasileira e da necessidade de acolher as vítimas de violência doméstica no DF. Diariamente, a Casa Ieda realizava programação de oficinas culturais e práticas oferecidas por profissionais voluntários. Até uma horta orgânica comunitária foi plantada na área externa da casa, para assegurar as soberania alimentar das mulheres atendidas no local.
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Edição: Flávia Quirino