Em 8 de março de 2012, às margens da BR 020, em Planaltina, cerca de 600 famílias do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) montaram acampamento em uma área de terras griladas no Distrito Federal.
Este mês, o Acampamento 8M completa 11 anos de luta e resistência contra a grilagem, a especulação imobiliária, a monocultura e o uso de agrotóxicos. Algumas coisas mudaram de lá para cá. Atualmente, após acordo judicial com o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios (MPDFT), apenas 80 famílias ocupam uma área de três hectares. Outros 14 hectares foram autorizados para plantio de alimentos.
Em relação ao processo judicial para regularização da terra e transformação da área em um assentamento, proporcionando mais segurança jurídica às famílias, pouco mudou. O imbróglio jurídico se arrasta de forma lenta.
Segundo Adonilton Rodrigues, membro da direção nacional do MST-DF/E e morador do acampamento, a morosidade do processo jurídico é decorrente da falta de vontade do governo em estabelecer o assentamento e realizar a reforma agrária.
“O governador do Distrito Federal não tem intenção de fazer o assentamento para as famílias pobres, porque ele está à serviço dos seus amigos. Então, eu acredito que a demora desse processo, além da questão da especulação, tem também o fato deles considerarem a terra não como um meio de vida, mas como uma mercadoria. E essa disputa, entre os sem terra e os latifundiários, é muito difícil. É uma disputa que envolve outras pessoas também, que estão por trás com outros interesses, diferentes do interesse dos sem terra, que é de avançar com a reforma agrária”, afirma.
Grilagem
O acampamento é localizado na Fazenda Toca da Raposa, que possui mais de 1.700 hectares. De acordo com o processo nº 2012.01.1.031198-2 da Vara de Meio Ambiente, Desenvolvimento Urbano e Fundiário do DF, Mário Zinato Santos alega ser proprietário de parcela da área. No entanto, o MST afirma que o local é uma terra pública, de propriedade da Companhia Imobiliária de Brasília (Terracap).
Marco Baratto, da direção nacional do MST, explica que já foi realizada a cadeia dominial e uma perícia da Polícia Civil que atestaram que Zinato não possui a documentação da área.
“Desses 1.200 hectares, a Terracap já pediu a retomada de 600 hectares para assentar as nossas famílias. Ou seja, a Terracap já pediu, a Secretaria de Agricultura está acompanhando, nossos advogados também, e essa área já foi pedida pelo PRAT, que é o Programa de Assentamentos de Trabalhadores Rurais do DF. Porém, o processo está travado na justiça, porque ele [Zinato] tem um batalhão de advogados, muita força política e econômica. Então, já há um acordo entre os órgãos do DF de que essa área precisa ser retomada, de que não é dele. Só que o governo tem que ter peito na política para fazer isso”, afirma.
Sob suspeição
Em requerimento apresentado à Comissão de Direitos Humanos e Minorias da Câmara Legislativa em 2012, parlamentares afirmam que outra área que supostamente pertencia a Mário Zinato, localizada em Sobradinho (DF), foi destinada à reforma agrária após a União identificar que se tratava de terra pública.
Além disso, reportagem do O Globo revelou que o latifundiário foi um dos responsáveis por fornecer carnes ao acampamento antidemocrático montado em frente ao Quartel-General do Exército, em Brasília. O fazendeiro afirmou ter participado dos atos em favor do ex-presidente Jair Bolsonaro realizados nos dia 7 de setembro e 2 de novembro do ano passado, e que participaria de outros com sua família.
Na Fazenda Toca da Raposa, Zinato é responsável pela produção de monocultivos de commodities, como soja, milho e sorgo, com uso de agrotóxicos e sementes transgênicas, além da criação de gado.
A área é próxima à Estação Ecológica Águas Emendadas, uma das reservas naturais mais importantes do cerrado brasileiro, onde acontece o encontro das nascentes de duas importantes bacias hidrográficas brasileiras: a Tocantins/Araguaia e a Platina.
Moradores do Acampamento 8 de Março denunciam que a área de produção de Zinato é irrigada por pivôs centrais que captam água das Águas Emendadas, além de usar agrotóxicos que poluem o solo e a água.
“São pivôs centrais, a gente já fez várias denúncias, mas não funciona. Além disso, jogam bastante veneno. A realidade é essa: de um lado está o projeto de vida, e do outro o projeto da morte”, afirma o morador Adonilton Rodrigues.
11 anos de resistência
Apesar do pouco apoio do governo, da especulação imobiliária e das investidas de grileiros contra o território, o Acampamento 8 de Março segue, há 11 anos, lutando pelo direito à terra e à alimentação saudável, livre de agrotóxicos.
“Quando chegamos à área do acampamento, não tinha nada, só capim. Hoje, a gente transformou esse espaço em uma área muito produtiva e arborizada. E todo esse empenho é das famílias. A gente não tem assistência nenhuma do governo, porque há muito tempo o governador não recebe e não dialoga com os movimentos sociais. E quem de fato leva a alimentação para a mesa do povo da cidade, do povo brasileiro é o pequeno agricultor”, conta Adonilton Rodrigues.
O acampamento conta com uma produção diversificada de alimentos saudáveis e orgânicos. Batata, mandioca, cheiro verde, melancia, morango, rabanetes e hortaliças são alguns dos gêneros alimentícios plantados no local. Há ainda uma casa de farinha, onde é produzida farinha de mandioca.
Segundo Domingos, um dos responsáveis pela produção do acampamento, os alimentos, além de suprir as necessidades alimentares dos moradores, são enviados para feira e para uma cooperativa. Também é feita entrega à domicílio. Durante a pandemia do coronavírus, o Acampamento 8 de Março doou várias cestas verdes e marmitas.
Adonilton afirma que, atualmente, a maior reivindicação do acampamento é que ele finalmente se torne um assentamento, garantindo mais segurança aos moradores. “Mas que seja um assentamento modelo, de produção de água, de produção de alimentos saudáveis e também de produção de vida. De vida não só para as famílias, para os animais, mas também para o solo. Que tenha uma biodiversidade bem vasta, para que a gente consiga também fortalecer a própria Estação Ecológica das Águas Emendadas”, projeta.
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Edição: Flávia Quirino