O Distrito Federal atualmente possui 11 ocupações culturais ativas em regiões como Ceilândia, Taguatinga, Gama, Santa Maria e São Sebastião. Segundo levantamento feito pela pesquisa de Gabriel Couto, que é pesquisador do Grupo Periférico (FAU/UnB) e militante da Campanha Despejo Zero DF, o planejamento territorial da capital do país tem em seu DNA a desigualdade e não inclui a diversidade e a potência das práticas coletivas imersas nos territórios culturais periféricos.
Ao constatar essa realidade, Gabriel Couto iniciou a cartografia das Casas de Cultura e Ocupações Culturais periféricas ocorridas a partir da última década para sistematizar diretrizes de planejamento e inseri-las no Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT), a fim de contribuir no reconhecimento, regularização e permanência desses territórios, além de instrumentalizar suas lutas pelo direito à cidade.
Uma das ações da pesquisa é a construção da Rede de Ocupações Culturais DF e Entorno, que pretende gerar mapeamentos, relatórios e sínteses sobre as diversas expressões culturais e situação fundiária e territorial das ocupações.
"Estamos começando a articular um Ciclo de Oficinas sobre o Plano Diretor de Ordenamento Territorial do DF, para que possamos construir contra-propostas de planejamento e disputar, reivindicar o espaço, centralidade da cultura periférica nas políticas públicas urbanas do DF e Entorno", observa Gabriel Couto.
Para Gabriel, de acordo com os apontamentos realizados pela pesquisa, as Ocupações Culturais se configuram como vetores de transformação socioespacial em suas comunidades e desempenham papel importante na luta pelo direito à cidade no DF. "Esses territórios constroem redes de solidariedade e autocuidado, além de circuitos de formação popular, tendo a economia solidária como ferramenta de empoderamento e geração de renda, fortalecem a diversidade e potência de saberes culturais e tecnologias sociais como espaços de difusão e produção artística periférica, promovem práticas socioambientais visando a segurança e soberania alimentar, dentre outras".
Ele diz ainda que as Ocupações Culturais também acionam e expõem conflitos de diversas ordens, dando visibilidade pública aos ataques e remoções sistemáticas do GDF em territórios periféricos, marcados por uma condição de invisibilidade e ameaça constante, que demonstra a insuficiência do planejamento territorial em ações que os legitimem e reconheçam legalmente.
Exemplo disso, foi a vitória da ocupação, localizada em Taguatinga, Mercado Sul Vive, que depois de sete anos de luta e resistência conseguiu decisão histórica favorável de suspensão da reintegração de posse. Gabriel explica que ações como essa demonstram a importância da articulação e negociação junto aos poderes executivos Distrital e Federal, entidades e movimentos sociais para a legitimação e reconhecimento de seus direitos e práticas desenvolvidas.
Antônio de Pádua, coordenador da Rede Urbana de Ações Socioculturais, organização que faz a gestão Jovem de Expressão, que ocupa um galpão em Ceilândia, destaca que "é importante para o movimento cultural ter um território para fazer suas atividades e cultuar a sua arte. O Jovem de Expressão, por exemplo, que está na Praça do Cidadão desde 2007, não é só um programa, é um centro cultural e um espaço comunitário que a comunidade acessa quando quiser. Lá já teve festa de 15 anos, já teve culto de igreja que não tinha espaço para atender a população de rua. A Ceilândia é uma cidade que tem mais de 300 mil habitantes e não tem um espaço de cinema, nem uma galeria de arte e aqui a gente ocupou e oferece esses serviços culturais".
Reocupa DF
"O Reocupa é um grupo de ocupações culturais que o Jovem de Expressão faz parte. O nome é Reocupa porque reocupamos espaços, mas precisamos da regularização dessa atividade, do aval judicial do Estado com a cessão de uso e posse. Inclusive sofremos uma tentativa de desocupação por parte do ex-administrador da Ceilândia, Fernando Fernandes, que de forma intransigente queria tirar nosso espaço e foi realizado todo um movimento em torno disso", aponta Antônio de Pádua.
Para Luana Gomes, membro da Família Hip Hop, ocupação localizada em Santa Maria, a cultura popular é produzida a partir das vivências dos grupos em determinados territórios. Por isso, a questão fundiária é central nesse contexto — é a permanência das pessoas nesses locais que permite que as produções culturais populares continuem vivas. “Destacamos a questão fundiária, que é um assunto urgente e presente nesses espaços, bem como o reconhecimento dos mesmos. A Articulação das Ocupações entende que o Estado deve dialogar com o setor cultural de forma digna e respeitosa, tal qual vemos hoje essa interlocução junto às igrejas”, afirma.
A Reocupa DF já enumerou os instrumentos que podem ajudar as Ocupações Culturais como o Plano Diretor de Ordenamento Territorial (PDOT), por meio de zoneamentos culturais que além de promover e incentivar a preservação e proteção do território e de suas práticas, permitem a isenção de taxas e impostos e concessão de benefícios fiscais. "Mas esse debate ainda precisa chegar concretamente ao PDOT a partir da articulação e incidência dos movimentos culturais", pondera Gabriel.
Série
Esta é a primeira matéria da série "Ocupações culturais no DF: territórios de resistência". Nas próximas o Brasil de Fato DF vai apresentar as ocupações culturais e as ações que desenvolvem em seus respectivos territórios.
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Edição: Flávia Quirino