Distrito Federal

Capacitismo

Artigo | Uma sociedade diversa e inclusiva se faz com diálogo, escuta e práticas

"Nossa sociedade é repleta de preconceitos estruturais e reparar falas e ações são essenciais"

Brasil de Fato | Brasília (DF) |
Lula se retratou sobre fala capacitista, mas governo precisa avançar em políticas públicas para pessoas com deficiências - Foto: Lula Marques/Agência Brasil

Na semana passada, o presidente Lula viajou para Portugal e fez alguns ajustes e acordos. O primeiro deles foi se retratar sobre as falas capacitistas proferidas no dia 18 de abril, durante reunião sobre violência nas escolas, e que tanto repercutiram. Tais falas foram preconceituosas e contribuem para a estigmatização das pessoas com deficiência intelectual e são de fato, inaceitáveis para qualquer chefe de estado.

Um dos acordos firmados por Lula na viagem à Portugal foi relacionado à instituição de boas práticas na promoção e defesa dos direitos das pessoas com deficiência.

Reconhecer o erro e dialogar com a comunidade das pessoas com deficiência são fundamentais para o início de um processo de desconstrução. Afinal, nossa sociedade é repleta de preconceitos estruturais e reparar falas e ações são essenciais, para não seguir reproduzindo padrões opressivos. Principalmente, quando se ocupa um papel de ser exemplo para milhares de brasileiros.

E isso só reforça o quanto o atual governo e a esquerda precisam dialogar com o movimento das Pessoas com Deficiência porque, este grupo minoritário continua sendo invisibilizado e esquecido em todos os espaços da sociedade.

Para além das pautas de classe e gênero existem outros atravessamentos e realidades que precisam ser escutadas, estudadas e dialogadas. E no meio de toda essa mobilização das PcD e dos movimentos sociais de luta
cobrando uma retratação do presidente Lula, encontramos os oportunistas da inclusão, apontando e exigindo um posicionamento do governante. Até aí tudo bem, o problema é quando essa cobrança se dá apenas agora e sequer, existiu quando o presidente anterior proferia barbaridades.

Um dos oportunistas é um tal que se auto-denomina “representante” dos autistas, mesmo que a grande maioria deles repudie este rótulo. E que repetidas vezes tenta roubar o protagonismo da causa e ainda, refere-se de forma capacitista chamando autistas de “anjos” e “especiais”.

E me pergunto: onde estava o oportunista quando o capacitismo reinou durante os últimos seis anos do Governo Federal? Onde ele estava quando Bolsonaro e um ministro da Educação disseram que alunos com deficiência “nivelam a turma por baixo”, “atrapalhavam” a sala e os colegas?

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Onde estava o oportunista de plantão quando o ex-presidente propôs o decreto 10.502, o chamado decreto da exclusão que tinha o objetivo de segregar os alunos com deficiência?

Onde o oportunista estava na mobilização do rol taxativo? Em frente ao STJ, acorrentado e debaixo do sol quente, não foi. Eu não o vi em nenhum dia.

Onde ele estava quando o ex governo propôs o eletrochoque como tratamento para autistas?

Onde o oportunista de plantão estava nos últimos anos quando o governo anterior ferrava com a vida e atentou contra vários direitos das PcD?

Estava no conforto do lar, sendo seletivo nas suas ações e mobilizações, porque a verdade é que não estamos no mesmo barco!

Todos nós temos o direito e até dever de questionar e cobrar o Presidente, mas por que ser seletivo?

Que possamos ouvir os autistas e ligar o sinal de alerta para familiares que se dizem “representantes” da causa. Autistas tem lugar de fala e eles próprios são protagonistas da luta.

O que nós, mães e pais atípicos, somos é aliados e parceiros dessa luta. Cuidado com os oportunistas de plantão que utilizam da sua visibilidade e influência pra disseminar mais capacitismo e discursos de ódio.

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Admitir-se capacitista e reparar o erro é o primeiro passo. Foi um gesto importante do presidente Lula nos mostrando que está disposto a aprender.

Mas esperamos políticas públicas assertivas para as pessoas com deficiência, porque uma sociedade diversa e inclusiva se faz com diálogo, escuta e práticas para os diversos setores da população!

A começar pela retomada dos programas que garantem a inclusão escolar e seus investimentos pelo MEC/SECADI, que até o momento seguem em silêncio.

Sigamos atentas e atentos e fazendo nosso papel que é fiscalizar e cobrar. Isso é democracia!

*Andréa Medrado é mãe e ativista pelos Direitos das Pessoas com Deficiência (PcD) e doenças raras, membra da Pitt-Hopkins Brasil.

**Este é um artigo de opinião. A visão da autora não necessariamente expressa a linha editorial do jornal Brasil de Fato - DF.

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Edição: Flávia Quirino